CURIOSIDADE:
Por que sentimos aquela dor
abdominal abaixo das costelas quando fazemos exercícios extenuantes?
Os praticantes de exercícios
físicos conhecem bem aquela dor sobre os hipocôndrios de caráter
transitório durante o esforço. Na gíria do treino, é conhecida como “dor de
burro”. Existem poucos estudos sobre o assunto, mas essa dor é conhecida cientificamente
como dor abdominal transitória relacionada com o exercício (DATE ou ETAP em
inglês). A dor é descrita como localizada, em pontadas, por vezes intensa e incapacitante,
uni ou bilateral, nos hipocôndrios direito e/ou esquerdo, abaixo das costelas,
podendo irradiar para o ombro homolateral.
A DATE parece ser mais prevalente
nas atividades que envolvem mais grupos musculares, de características aeróbias
e com carga vibratória. Sendo encontrada nos atletas nesta frequência em um
estudo: natação (75%), atletismo (69%), aeróbica (52%), basquetebol (47%),
hipismo (47%), ciclismo (32%).
Quanto à etiologia, não se sabe
bem ao certo, mas as teorias mais aceitas são: a isquemia diafragmática, tensão
mecânica sobre os ligamentos esplâncnicos e a irritação do peritônio parietal.
A hipótese relacionada com a
isquemia diafragmática pressupõe que a redistribuição do débito sanguíneo em
esforço, com clara redução da perfusão esplâncnica abdominal e que envolveria
também o diafragma, musculatura hiperfuncionante. É questionada não só por não
ter sido provada, mas também por não apresentar as adaptações agudas
hemodinâmicas, típicas da musculatura hiperfuncionante com aumento do débito, e
também por aparecer com frequência em atletas do hipismo, onde não é exigida
uma demanda respiratória acentuada.
Já a teoria da tensão mecânica
sobre os ligamentos esplâncnicos concerne no fato que o exercício físico com
vibração e impacto fariam a distensão dos ligamentos viscerais e causariam a
dor. Contudo, sabe-se que isso também é visto na natação, um esporte que não há
tanta vibração e impacto. Além disso, a dor bem localizada afastaria a origem
visceral da dor e apontaria para uma fonte somática.
Por último, Morton defende que é
proveniente da irritação do peritônio parietal. Primeiro pelo fato desse
peritônio ser sensível a qualquer movimento de flexão ou rotação do tronco e à
carga vibratória que pode se estender a qualquer parte do abdômen dando origem
a dor bem localizada. Em segundo a porção subdiafragmática do peritônio
parietal é inervada pelos ramos do nervo frênico, que poderia explicar a
irradiação para o ombro. O mecanismo de irritação é especulativo, mas é
atribuída a fricção exacerbada durante o exercício. O atrito pode ser resultado
de um aumento da pressão sobre o tecido, como no caso da distensão visceral,
por exemplo, após uma refeição copiosa ou ainda como consequência das
alterações de volume ou propriedades do fluido peritoneal contido na cavidade.
Curiosamente, a depuração do líquido da cavidade peritoneal é aumentada com a
excursão diafragmática.
Referências Bibliográficas:
MORTON, D. P. Exercise related
transient abdominal pain. British Journal of Sports Medicine, v. 37, p.
287-288, 2003.
PEREIRA, J. G. “Dor de burro”.
Rev. Medicina Desportiva informa, vol. 3, n. 4, p. 20-22, 2012.
CASO CLÍNICO XII:
Identificação: JDL, 43 anos, masculino, branco, natural e residente de Curitiba-PR, pintor.
QP: “Dor no peito”
HMA: Paciente refere inicio súbito de dor torácica em região retroesternal há 8 horas, de grande intensidade, em pontadas com irradiação para MSE e ápice do músculo trapézio de duração constante. Relata piora ao decúbito dorsal e a inspiração, contudo com alívio com a posição sentada com inclinação anterior. Como sintomas associados refere dispneia, singultos, febre não aferida com calafrios e astenia. Nega sudorese, tosse e síncope.
HMP: Nega internamentos e operações anteriores. Relata quadro de diarreia há 1 semana com relativa melhora. Afirma ser hipertenso e dislipidêmico, nega DM. Em uso de captopril 25mg 2x/dia e hidroclorotiazida 25 mg 1x/dia e atorvastatina. Nega alergias.
HMF: Pai teve IAM aos 44 anos e faleceu aos 55 de ICC. Mãe viva 70 anos hipertensa. Irmãos sem morbidades.
CHV: Tabagista durante 20 anos 1 maço/dia. Nega etilismo e tóxicos.
RS: Sistema GI: diarreia aquosa sem sangue muco ou pus.
EXAME FÍSICO:
GERAL: REG, LOTE, anictérico, hidratado, normocorado, acianótico. PA: 140-90mmHg; pulso: 124bpm; T: 38,2°C; FR: 28 rpm.
C/P: Mucosas úmidas e coradas. Oroscopia normal. Ausência de linfonodomegalia cervical e supraclavicular. Jugulares não ingurgitadas. Ausência de sopros em região cervical.
CPP: MV diminuídos bilateralmente e simétricos em bases pulmonares sem RA.
ACV: Bulhas cardíacas taquicárdicas normofonéticas com presença de atrito pericárdico.
ABDÔMEN: globoso, flácido com RHA presentes. Ausência de dor ou massas a palpação superficial e profunda.
EXAMES COMPLEMENTARES:
ECG:
Troponina: 8ng/ml (VR < 1)
CK-MB: 38U/L (VR < 25)
Qual provável diagnóstico?
Qual são as características típicas?
Os achados eletrocardiográficos são condizentes com a
história apresentada?
Qual a possível complicação desse quadro?
RESPOSTA
AO CASO CLÍNICO XII:
O provável diagnóstico é
pericardite aguda viral. Poderia estar presente um derrame pericárdico
(ingurgitamento jugular, abafamento de bulhas e hipotensão), contudo não é o
caso. Frequentemente, 80-90% das pericardites agudas são de etiologia viral ou
idiopática, apresentam um curso benigno e autolimitado, com resolução
espontânea em cerca de duas semanas com baixo índice de complicações graves.
Dentre as causas podemos citar: idiopática, infecção (viral, TB, fúngica),
uremia, IAM (aguda até 72h ou tardia como a Síndrome de Dressler), neoplasias,
doenças reumáticas, após irradiação de mediastino.
Então, as características
clínicas identificáveis na anamnese são dor torácica de início súbito, de
localização retroesternal, em pontadas do tipo ventilatório dependente, que
piora ao decúbito dorsal e alívio com a posição em prece maometana. A
irradiação pode ser para mandíbula, dorso, MSE que confunde com a dor anginosa.
Entretanto, a irradiação para a borda do músculo trapézio é característica de
pericardite, pois é feita pelo nervo frênico que atravessa o pericárdio. Os
sintomas associados são dispneia, tosse, singultos (soluços), febre alta e
astenia. Geralmente, o quadro de pericardite viral geralmente é precedido por
uma IVAS ou por quadro diarreico infeccioso.
Ao exame físico, encontramos
taquicardia, febre e o sinal patognomônico que é o atrito pericárdico,
semelhante ao retorcer de um couro, que aparece em 85% dos casos. Pode ser
monofásico, bifásico ou trifásico (ruído sistólico, protodiastólico e telediastólico).
O som é melhor escutado em borda esternal esquerda com o paciente inclinado
para a frente.
Ao ECG, existem 4 estágios na
evolução natural:
- Estágio 1 (80% dos casos):
desvio do segmento PR com polaridade oposta à onda P e supra desnivelamento do
segmento ST com concavidade voltada para cima (como uma bandeira), presentes em
todas as derivações, excetuando-se aVR e muitas vezes V1.
- Estágio 2 precoce: reversão do
segmento ST, segmento PR desviado.
- Estagio 2 tardio: progressivo
achatamento e inversão de onda T
- Estágio 3: inversão
generalizada de T.
- Estágio 4: retorno do traçado
basal.
O diagnóstico baseia-se na
presença de pelo menos 2 dos 4 critérios: 1) dor torácica característica; 2)
atrito pericárdico; 3) alterações da repolarização ventricular no ECG; 4)
Derrame pericárdico novo ou piora do preexistente.
Pode haver aumento das enzimas
cardíacas como no caso, que levam a pensar em acometimento concomitante do
miocárdio (miopericardite). Todavia, o aumento não é tão proporcional e
significativo com as inúmeras derivações acometidas no ECG, como ocorre no IAM.
O tratamento é feito com AINES
(ibuprofeno 400mg de 8/8h por 7-14 dias) e colchicina 0,5mg VO de 12/12h pelo
período de 3 meses.
JOSÉ VITOR MARTINS LAGO
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