CURIOSIDADE:
O
que ocorre fisiologicamente no soluço? Como parar esse fenômeno?
Singulto
é o termo técnico de um fenômeno bastante comum, o soluço. Consiste em uma
contração súbita do diafragma e dos músculos intercostais, seguidos de
fechamento da laringe. Inicia-se comumente durante a inspiração e pode ser
inibido por altas concentrações de PaCO2. É uma informação importante, já que
serve de princípio para o tratamento desse fenômeno incômodo, por exemplo, realizando
apneia ou respirar em um saco de plástico.
O reflexo é formado por três
componentes: 1) um sinal aferente junto ao nervo vago e frênico; 2) processador
central; 3) um sinal eferente do nervo frênico para o diafragma e dos nervos
acessórios para os músculos intercostais. O processador central não é muito bem
compreendido, mas está em algum lugar entre a medula cervical e o tronco
cerebral. Não se sabe direito quais neurotransmissores estão inclusos nesse
processamento, contudo fazem parte disso o GABA e a dopamina.
Vários gatilhos são
convencionalmente descritos: centrais e periféricos. Mecanismos centrais estão
implicados com casos intratáveis e estão relacionados com desordens do sistema
nervoso central como neoplasias. Mais frequentes são os estímulos de origem
periférica, por exemplos, relacionados ao estômago como distensão gástrica,
irritação e refluxo gastroesofágico. Existem diversas outras causas como
infecção, trauma, metabólicas, psicogênicas.
A terapia medicamentosa pode ser
necessária em alguns casos, para isso é aprovado à utilização pela FDA de
clorpromazina 25mg VO 3 vezes/dia. Outras alternativas para causas
gastroesofágicas são os inibidores da bomba de prótons (RGE) e metoclopramida
(acelerar o esvaziamento gástrico).
Referência Bibliográfica:
BECKER, D. E. Nausea, Vomiting,
and Hiccups: A Review of Mechanisms and Treatment. Anesth Prog, v. 57, p.
150-157, 2010.
CASO
CLÍNICO XIV:
ID:
MTS;
31 anos; feminina; branca; natural e residente de Curitiba-PR; empresária.
QP:
“Pressão
Alta e fraqueza”
HMA:
Paciente
refere hipertensão com diagnóstico através de MAPA feito há 5 anos, sem melhora
do quadro e afirma enfaticamente uso disciplinado dos três remédios para
pressão. Relata pressão frequente e contínua, sem paroxismos em torno de 190/110.
Nega dor torácica, cefaleia, disartria, distúrbio visual, dispneia, edema
facial e de MMII, sudorese, palpitações.
Iniciou há sete dias, razão da vinda da consulta, paresia
progressiva nas mãos, posteriormente para região proximal dos MMSS, MMII,
tronco e região cervical. Nega associação com exercícios físicos como fator de
melhora ou piora. Como sintomas associados refere parestesias, poliúria,
polidipsia, náuseas e quatro episódios de vômitos na semana sem sangue. Nega
diarreia, febre e disfagia.
HMP:
Nega
internamentos e operações anteriores. Em uso de anlodipino 10mg 1x/dia,
hidroclorotiazida 25mg 1x/dia e enalapril 40mg 2x/dia. Nega DM, dislipidemia,
doenças renais conhecidas. Nega alergias.
HMF:
Nega
história de HAS e DM na família. Pai, 62 anos, sem morbidades. Mãe, 61 anos,
hipotireoidismo.
CHV:
Nega
tabagismo e etilismo. Alimentação balanceada com ingestão de fibras e 2 copos
de leite por dia, evita comidas com sal. Pratica exercício físico 3x/semana
durante 30 minutos.
RS:
sp.
EXAME
FÍSICO:
GERAL:
BEG,
LOTE, normocorado, hidratado, anictérico, acianótico. IMC: 22; circunferência
abdominal de 90 cm. PA deitado: 190/110mmHg; PA sentado 185/110mmHg; PA em pé:
180/105mmHg, realizadas medidas em ambos os braços sem diferenças
significativas. Pulso: 88bpm; FR: 16rpm; T: 36,3°C.
C/P:
Mucosas
úmidas e coradas. Oroscopia normal. Jugular não ingurgitada. Ausência de sopros
carotídeos e linfonodomegalia. Tireoide de tamanho normal. Fundo de olho
normal.
CPP:
MV
presente bilateralmente e simétrico sem RA.
ACV:
Ictus
invisível e palpável ao nível do quinto espaço intercostal na LHCE. BCRNFSS
ABDÔMEN:
globoso,
flácido, com RHA presentes. Ausência de sopros em flancos. Espaço de Traube
livre, hepatimetria de 8cm em LHCD. Sem dor ou massas na palpação.
VASCULAR
PERIFÉRICO: pulsos presentes e simétricos, sem
edema.
NEUROLÓGICO:
Estado
Mental: Paciente em estado vigil e cooperativa, orientada em
tempo e espaço.
Nervos
cranianos: I- não testado II- ausência de diplopia, III, IV
normais, V- motor- diminuição da força dos músculos da mastigação, sensorial-
sem alteração nas três regiões, VI, VII- sem anormalidades, VIII- audição
bilateral ao relógio, IX e X – reflexo de vômito preservado, ausência do sinal
da cortina; XI; força do ECM e trapézio 4/5; XII: língua na linha média.
Força e tônus muscular: tônus preservado, força grau 4/5
globalmente.
Reflexos tendíneos:
Reflexos
|
Bíceps
|
Tríceps
|
Braquiorradial
|
Patelar
|
Aquileu
|
Cutâneo Plantar
|
direito
|
++
|
++
|
++
|
++
|
++
|
Em flexão
|
esquerdo
|
++
|
++
|
++
|
++
|
++
|
Em flexão
|
Sensibilidade: preservada
Marcha: sem alterações características
Coordenação: movimentos rápidos e alternantes das mãos
normais, index-nariz sem alteração.
Equilíbrio: prova de Romberg negativa.
Pela paciente ser jovem, com uso regular de três
medicamentos e manter a pressão alta e iniciar esses sintomas, precisamos
afastar o
que?
que?
O uso regular e a utilização de três medicamentos em
paciente jovem, sem controle pressórico, nos faz pensar em uma hipertensão
secundária. Apesar de não parecer, os sintomas de tetraparesia estão associados
com o quadro hipertensivo. Não é lesão de órgão alvo como AVE, pois é
bilateral, flácido e com hiporreflexia. Pensando em causas de HAS secundária,
continuamos a investigação:
Então, solicitamos exames:
Hemograma completo:
• Hemoglobina:
11,3
• Leucócitos:
7.300
• Plaquetas:
261.000
Glicemia: 87
Perfil Lipídico:
• Colesterol
total: 150
• HDL: 43
• LDL: 110
• TG: 94
Ureia: 10
Creatinina: 0,7
Sódio: 145 (135-145)
Potássio: 1,7 (3,5-5)
Cálcio iônico: 4,8 (4,7-5,2)
Fósforo: 3,1 (2,5-4,8)
A partir dos exames, qual nossa hipótese diagnóstica?
Observamos que o potássio está baixo e o sódio no limite
superior da normalidade. A hipopotassemia geralmente é acompanhada de alcalose
metabólica e os sintomas apresentados pela paciente como poliúria, polidipsia,
parestesia ou fraqueza muscular são decorrentes desse quadro. Vale a pena
lembrar que outra causa de hipopotassemia é o tratamento com diuréticos
espoliadores de potássio, como a hidroclorotiazida do caso clínico. Porém, um
valor de potássio inferior a 3,1 mEq/L nos direciona para hiperaldosteronismo
primário (HAP). Logo, para confirmar nossa hipótese diagnóstica:
Pedimos, então:
Aldosterona (A): 46ng/dL (normal, em posição supina:
9-16ng/dL);
Atividade plasmática de renina (APR): <0,2ng/mL/h
(normal, em posição supina: 0,2-2,8ng/mL/h);
Relação A/APR: >230 (normal até 30)
Cortisol basal: 11,6 µg/dL (normal: 5-25) e após 2mg VO de
dexametasona: 1,9µg/dL;
Metanefrinas urinárias: 0,83µg/mgCr (normal:
0,05-1,2µg/mgCr);
Aldosterona após teste de sobrecarga salina com soro
fisiológico 2L EV durante 4h: 30ng/dL (normal até 5ng/dL).
Qual é o diagnóstico?
Quais as duas principais causas dessa síndrome?
Qual é o próximo exame que devemos solicitar?
RESPOSTA AO CASO CLÍNICO XIV:
O diagnóstico é HAP, pois uma razão de aldosterona/renina
plasmática superior a 30:1 em conjunção com a aldosterona superior a 20ng/dL,
praticamente confirma a hipótese. O exame confirmatório é a sobrecarga com soro
fisiológico durante 4h e espera-se em um paciente normal que haja supressão da
aldosterona, ou seja, um resultado menor que 5ng/dL.
As metanefrinas urinárias e o cortisol são importantes, pois
o feocromocitoma e a síndrome de Cushing podem causas hiperaldosteronismo
secundário.
Dentre as principais causas de HAP estão adenoma suprarrenal
produtor de aldosterona (60-70%) e hiperplasia adrenocortical bilateral
(hiperaldosteronismo idiopático). Raramente, pode ser causado por um carcinoma
suprarrenal ou neoplasia ectópica, por exemplo, arrenoblastoma ovariano. A biossíntese de aldosterona é mais
responsiva ao ACTH nos adenomas e à angiotensina em hiperplasia. Logo, a aldosterona estará mais alta no
começo da manhã, graças ao pulso fisiológico de ACTH nos pacientes com adenoma,
enquanto a aldosterona tende a aumentar com a postura ereta nos pacientes com
hiperplasia, refletindo a resposta postural normal do eixo
renina-angiotensina-aldosterona.
Em seguida, o exame a ser pedido seria a TC de suprarrenal
para detectar possíveis tumores. Outro exame que pode ser útil é a dosagem da
aldosterona nas veias adrenais por cateterismo indica se existe lateralização
na produção de aldosterona ou se ela é bilateral. Do ponto de vista clínico e
laboratorial, pacientes portadores de adenoma são, em geral, mais jovens, têm
hipocalemia mais acentuada e concentrações mais elevadas de aldosterona (>
25 ng/dl).
A hipertensão causada por adenomas é responsiva a
suprarrenalectomia unilateral. Já os pacientes com hiperplasia bilateral devem
ser tratados clinicamente o esquema de anti-hipertensivos deve incluir um
antagonista da aldosterona (espironolactona) e, se necessário, outros
diuréticos poupadores de potássio.
Existem alguns indícios de hipertensão secundária:
1) Início da HAS antes dos 30 anos e após os 50 anos de
forma abrupta e acentuada;
2) HAS estágio 3 e/ou resistente à terapia;
3) Tríade do Feocromocitoma: palpitações, sudorese e
cefaleia em crises;
4) Uso de medicamentos e drogas que possam elevar a pressão
arterial;
5) Fácies ou biótipo de doenças que cursam com hipertensão
(doença renal, hipertireoidismo, acromegalia, síndrome de Cushing);
6) Presença de massas ou sopros abdominais;
7) Assimetria de pulsos periféricos;
8) Alteração da função renal e/ou urinálise
9) Hipotassemia espontânea, ou induzida por diuréticos;
10) Sintomas de apneia do sono.
José Vitor Martins Lago
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