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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Semiologia I: Cardiologia

CURIOSIDADE:

O que ocorre fisiologicamente no soluço? Como parar esse fenômeno?

Singulto é o termo técnico de um fenômeno bastante comum, o soluço. Consiste em uma contração súbita do diafragma e dos músculos intercostais, seguidos de fechamento da laringe. Inicia-se comumente durante a inspiração e pode ser inibido por altas concentrações de PaCO2. É uma informação importante, já que serve de princípio para o tratamento desse fenômeno incômodo, por exemplo, realizando apneia ou respirar em um saco de plástico.
O reflexo é formado por três componentes: 1) um sinal aferente junto ao nervo vago e frênico; 2) processador central; 3) um sinal eferente do nervo frênico para o diafragma e dos nervos acessórios para os músculos intercostais. O processador central não é muito bem compreendido, mas está em algum lugar entre a medula cervical e o tronco cerebral. Não se sabe direito quais neurotransmissores estão inclusos nesse processamento, contudo fazem parte disso o GABA e a dopamina.
Vários gatilhos são convencionalmente descritos: centrais e periféricos. Mecanismos centrais estão implicados com casos intratáveis e estão relacionados com desordens do sistema nervoso central como neoplasias. Mais frequentes são os estímulos de origem periférica, por exemplos, relacionados ao estômago como distensão gástrica, irritação e refluxo gastroesofágico. Existem diversas outras causas como infecção, trauma, metabólicas, psicogênicas.
A terapia medicamentosa pode ser necessária em alguns casos, para isso é aprovado à utilização pela FDA de clorpromazina 25mg VO 3 vezes/dia. Outras alternativas para causas gastroesofágicas são os inibidores da bomba de prótons (RGE) e metoclopramida (acelerar o esvaziamento gástrico).

Referência Bibliográfica:
BECKER, D. E. Nausea, Vomiting, and Hiccups: A Review of Mechanisms and Treatment. Anesth Prog, v. 57, p. 150-157, 2010.

CASO CLÍNICO XIV:


ID: MTS; 31 anos; feminina; branca; natural e residente de Curitiba-PR; empresária.
QP: “Pressão Alta e fraqueza”
HMA: Paciente refere hipertensão com diagnóstico através de MAPA feito há 5 anos, sem melhora do quadro e afirma enfaticamente uso disciplinado dos três remédios para pressão. Relata pressão frequente e contínua, sem paroxismos em torno de 190/110. Nega dor torácica, cefaleia, disartria, distúrbio visual, dispneia, edema facial e de MMII, sudorese, palpitações.
Iniciou há sete dias, razão da vinda da consulta, paresia progressiva nas mãos, posteriormente para região proximal dos MMSS, MMII, tronco e região cervical. Nega associação com exercícios físicos como fator de melhora ou piora. Como sintomas associados refere parestesias, poliúria, polidipsia, náuseas e quatro episódios de vômitos na semana sem sangue. Nega diarreia, febre e disfagia.
HMP: Nega internamentos e operações anteriores. Em uso de anlodipino 10mg 1x/dia, hidroclorotiazida 25mg 1x/dia e enalapril 40mg 2x/dia. Nega DM, dislipidemia, doenças renais conhecidas. Nega alergias.
HMF: Nega história de HAS e DM na família. Pai, 62 anos, sem morbidades. Mãe, 61 anos, hipotireoidismo.
CHV: Nega tabagismo e etilismo. Alimentação balanceada com ingestão de fibras e 2 copos de leite por dia, evita comidas com sal. Pratica exercício físico 3x/semana durante 30 minutos.
RS: sp.

EXAME FÍSICO:

GERAL: BEG, LOTE, normocorado, hidratado, anictérico, acianótico. IMC: 22; circunferência abdominal de 90 cm. PA deitado: 190/110mmHg; PA sentado 185/110mmHg; PA em pé: 180/105mmHg, realizadas medidas em ambos os braços sem diferenças significativas. Pulso: 88bpm; FR: 16rpm; T: 36,3°C.
C/P: Mucosas úmidas e coradas. Oroscopia normal. Jugular não ingurgitada. Ausência de sopros carotídeos e linfonodomegalia. Tireoide de tamanho normal. Fundo de olho normal.
CPP: MV presente bilateralmente e simétrico sem RA.
ACV: Ictus invisível e palpável ao nível do quinto espaço intercostal na LHCE. BCRNFSS
ABDÔMEN: globoso, flácido, com RHA presentes. Ausência de sopros em flancos. Espaço de Traube livre, hepatimetria de 8cm em LHCD. Sem dor ou massas na palpação.
VASCULAR PERIFÉRICO: pulsos presentes e simétricos, sem edema.

NEUROLÓGICO:

Estado Mental: Paciente em estado vigil e cooperativa, orientada em tempo e espaço.
Nervos cranianos: I- não testado II- ausência de diplopia, III, IV normais, V- motor- diminuição da força dos músculos da mastigação, sensorial- sem alteração nas três regiões, VI, VII- sem anormalidades, VIII- audição bilateral ao relógio, IX e X – reflexo de vômito preservado, ausência do sinal da cortina; XI; força do ECM e trapézio 4/5; XII: língua na linha média.
Força e tônus muscular: tônus preservado, força grau 4/5 globalmente.
Reflexos tendíneos:

Reflexos
Bíceps
Tríceps
Braquiorradial
Patelar
Aquileu
Cutâneo Plantar
direito
++
++
++
++
++
Em flexão
esquerdo
++
++
++
++
++
Em flexão

Sensibilidade: preservada
Marcha: sem alterações características
Coordenação: movimentos rápidos e alternantes das mãos normais, index-nariz sem alteração.
Equilíbrio: prova de Romberg negativa.


Pela paciente ser jovem, com uso regular de três medicamentos e manter a pressão alta e iniciar esses sintomas, precisamos afastar o
 que?


O uso regular e a utilização de três medicamentos em paciente jovem, sem controle pressórico, nos faz pensar em uma hipertensão secundária. Apesar de não parecer, os sintomas de tetraparesia estão associados com o quadro hipertensivo. Não é lesão de órgão alvo como AVE, pois é bilateral, flácido e com hiporreflexia. Pensando em causas de HAS secundária, continuamos a investigação:



Então, solicitamos exames:

Hemograma completo:
•             Hemoglobina: 11,3
•             Leucócitos: 7.300
•             Plaquetas: 261.000
Glicemia: 87
Perfil Lipídico:
•             Colesterol total: 150
•             HDL: 43
•             LDL: 110
•             TG: 94
Ureia: 10
Creatinina: 0,7
Sódio: 145 (135-145)
Potássio: 1,7 (3,5-5)
Cálcio iônico: 4,8 (4,7-5,2)
Fósforo: 3,1 (2,5-4,8)


A partir dos exames, qual nossa hipótese diagnóstica?


Observamos que o potássio está baixo e o sódio no limite superior da normalidade. A hipopotassemia geralmente é acompanhada de alcalose metabólica e os sintomas apresentados pela paciente como poliúria, polidipsia, parestesia ou fraqueza muscular são decorrentes desse quadro. Vale a pena lembrar que outra causa de hipopotassemia é o tratamento com diuréticos espoliadores de potássio, como a hidroclorotiazida do caso clínico. Porém, um valor de potássio inferior a 3,1 mEq/L nos direciona para hiperaldosteronismo primário (HAP). Logo, para confirmar nossa hipótese diagnóstica:




Pedimos, então:

Aldosterona (A): 46ng/dL (normal, em posição supina: 9-16ng/dL);
Atividade plasmática de renina (APR): <0,2ng/mL/h (normal, em posição supina: 0,2-2,8ng/mL/h);
Relação A/APR: >230 (normal até 30)
Cortisol basal: 11,6 µg/dL (normal: 5-25) e após 2mg VO de dexametasona: 1,9µg/dL;
Metanefrinas urinárias: 0,83µg/mgCr (normal: 0,05-1,2µg/mgCr);
Aldosterona após teste de sobrecarga salina com soro fisiológico 2L EV durante 4h: 30ng/dL (normal até 5ng/dL).

Qual é o diagnóstico?

Quais as duas principais causas dessa síndrome?

Qual é o próximo exame que devemos solicitar?


RESPOSTA AO CASO CLÍNICO XIV:

O diagnóstico é HAP, pois uma razão de aldosterona/renina plasmática superior a 30:1 em conjunção com a aldosterona superior a 20ng/dL, praticamente confirma a hipótese. O exame confirmatório é a sobrecarga com soro fisiológico durante 4h e espera-se em um paciente normal que haja supressão da aldosterona, ou seja, um resultado menor que 5ng/dL.
As metanefrinas urinárias e o cortisol são importantes, pois o feocromocitoma e a síndrome de Cushing podem causas hiperaldosteronismo secundário.
Dentre as principais causas de HAP estão adenoma suprarrenal produtor de aldosterona (60-70%) e hiperplasia adrenocortical bilateral (hiperaldosteronismo idiopático). Raramente, pode ser causado por um carcinoma suprarrenal ou neoplasia ectópica, por exemplo, arrenoblastoma ovariano.  A biossíntese de aldosterona é mais responsiva ao ACTH nos adenomas e à angiotensina em hiperplasia.  Logo, a aldosterona estará mais alta no começo da manhã, graças ao pulso fisiológico de ACTH nos pacientes com adenoma, enquanto a aldosterona tende a aumentar com a postura ereta nos pacientes com hiperplasia, refletindo a resposta postural normal do eixo renina-angiotensina-aldosterona.
Em seguida, o exame a ser pedido seria a TC de suprarrenal para detectar possíveis tumores. Outro exame que pode ser útil é a dosagem da aldosterona nas veias adrenais por cateterismo indica se existe lateralização na produção de aldosterona ou se ela é bilateral. Do ponto de vista clínico e laboratorial, pacientes portadores de adenoma são, em geral, mais jovens, têm hipocalemia mais acentuada e concentrações mais elevadas de aldosterona (> 25 ng/dl).
A hipertensão causada por adenomas é responsiva a suprarrenalectomia unilateral. Já os pacientes com hiperplasia bilateral devem ser tratados clinicamente o esquema de anti-hipertensivos deve incluir um antagonista da aldosterona (espironolactona) e, se necessário, outros diuréticos poupadores de potássio.
Existem alguns indícios de hipertensão secundária:
1) Início da HAS antes dos 30 anos e após os 50 anos de forma abrupta e acentuada;
2) HAS estágio 3 e/ou resistente à terapia;
3) Tríade do Feocromocitoma: palpitações, sudorese e cefaleia em crises;
4) Uso de medicamentos e drogas que possam elevar a pressão arterial;
5) Fácies ou biótipo de doenças que cursam com hipertensão (doença renal, hipertireoidismo, acromegalia, síndrome de Cushing);
6) Presença de massas ou sopros abdominais;
7) Assimetria de pulsos periféricos;
8) Alteração da função renal e/ou urinálise
9) Hipotassemia espontânea, ou induzida por diuréticos;
10) Sintomas de apneia do sono.



José Vitor Martins Lago

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