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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Propedêutica 1: Anamnese

CASO CLÍNICO

Identificação: M.P.Q. 22 anos, feminino, caucasiana, natural e residente de Colombo (região metropolitana de Curitiba), casada, cozinheira de cachorro quente.

Queixa principal: “Dor na dobradiça mestra de fianco”

HMA: ILICIDAS:
Paciente refere que há 4 dias iniciou com dor epigástrica de média intensidade, tipo "coisante", constante, sem alívio e com piora durante a alimentação. Relata que no momento foi medicada como com uma "grastite", sem melhora relevante. “Porcaria do médico não tratou direito”.
Há 2 dias atrás a dor passou a ser difusa de média intensidade, também tipo “coisante mais chata”, constante, sem alívio e com piora durante a alimentação. Relata náuseas sem vômitos. Relata que não retornou ao médico e automedicou-se com um comprimido desconhecido que a mãe toma para depressão e funciona. Sem melhora.
Agora apresenta, de início há 4 horas, “dor na dobradiça mestra de fianco” (apontando para FID, fossa ilíaca direita) de grande intensidade, tipo pontada, continua, sem alívio e com piora a compressão.
Alega anorexia (falta de vontade de comer). Ultima menstruação há 1 mês. Nega corrimentos, alterações e dificuldades para urinar e defecar.

HMP: DOIDAMT:
Nega hipertensão, diabetes, asma, alergias, doenças de qualquer tipo e de infancia e uso de medicações contínuas. Nega internamentos e cirurgias. Nega transfusões.

HMF:
Não conheceu o pai. A mãe é viva, tem 40 anos, usuária de drogas, uma vêz foi internada para uma cirurgia abdominal que não soube informar, mas diz que a mãe não tem nenhuma cicatriz. Tem 7 irmãos, 2 vivos e mais novos 20 e 19 anos, ambos homens e saudáveis.

CHV: MAFATES:
Mora em uma casa de alvenaria incompleta, com tijolos expostos, a região possuí rede de água e esgoto. Faz uso “social” de álcool, 1 lata de cerveja no fim do dia e ¼ de destilado em média no fim de semana. Nega fumo, mas pessoas fumam em casa. Nega uso de tóxicos. Alega ter em média 1 parceiro por mês, normalmente usa camisinha.
CAGE: pensou em cortar devido ao preço da bebida, nunca nenhum familiar aborreceu-se, não sente-se culpada, diz que bebe no café da manhã para “firmar a mão”.

PPS: FRETSPI:
Tem constantes brigas familiares principalmente com a mãe e irmão mais velho pelo uso de drogas em casa e nao ajudarem nas tarefas domésticas. Dorme de manhã, cuida da casa a tarde, trabalha com cachorro quente a noite. Não estuda, fundamental incompleto, situação financeira “difícil, mas vamo levando”, ama muito o irmão mais novo e morre de medo que ele tambem siga o exemplo em casa, orgulha-se de ele estar terminando o ensino médio e querer ser advogado. Entende sua doença como grave, pois nao consegue trabalhar hoje.

RS:
Não declara novas queixas.

Observações:
Este é um dos chamados pacientes difíceis. Nesses casos os pacientes nao conseguem esclarecer o que estão sentindo. É importante insistir utilizando perguntas mais fáceis. Perguntas com alternativas costumam ser úteis e sempre pressionando o paciente para que dê uma resposta mais firme.
Quando frente a uma historia complexa como esta, lembre-se sempre de organizar cronologicamente o início de cada um dos sintomas, caso contrario voce ficará totalmente perdido.

Em propedêutica vocês ainda não precisam fazer diagnósticos, mas este caso é interessante para demonstrar como deve seguir o raciocinio médico. É natural imaginar que o médico busca sinais e sintomas para gerar suas hipóteses diagnósticas, porem o google tambem o faz! Porque o google falha entao? E pior, como lidar frente a sintomas que as vezes estão presentes e as vezes não, ou pouco específicos que podem ser qualquer coisa? Porque um enfermeiro nao pode fazer diagnosticos?

O médico conhece os sinais e sintomas, mas isso nao é o suficiente. É necessario conhecer os sinais e sintomas que caracterizam CADA FASE do desenvolvimento natural de uma doença e as alterações que medicações causaram nesse curso. Esse conhecimento chama-se história natural da doença.
Neste caso temos uma dor que inicia-se no epigastrio, torna-se difusa e etão localiza-se no FID. Sem o conhecimento da HND fica dificil imaginar causas para dor em FID, causas para dor em epigastrio e difusas. Pode-se até imaginar tres patologias distintas para cada tipo de dor.
Lembrem-se o médico conhece as DOENÇAS portanto precisa conhecê-las em cada etapa, assim como os professores de anatomia nos faziam saber reconhecer o percurso dos nervos dos MMSS (membros superiores, repete a letra quando é plural) em cada parte do membro. Apenas uma parte nao bastava.

Outra coisa, JAMAIS esqueçam de cogitar a hipótese de gravidez em mulheres com idade fertil para qualquer patologia. Lembrem-se que existem medicações contra-indicadas na gravidez e patologias proprias da gestação. Neste caso não pode ser descartada, pois o período mais fértil da mulher encontra-se 15 dias (+3 e -3) antes da menstruação, abrindo aqui uma janela para uma possível gestação de duas semanas caso ela tenha ciclos de 28~30 dias.
Portanto ela pode ter menstruado ha 30 dias, ovulado novamente ha 15 dias e agora estar com uma gravidez de 15 dias... ou não, pode estar prestes a menstruar novamente.

Percebam que o colega interpretou o abdome agudo inicial como sendo uma gastrite. Como acadêmicos juramos que nunca deixaremos passar nada e somos rápidos a pensar em erros de colegas. Porem pode ter parecido mesmo uma gastrite e quem internaria uma paciente com gastrite para maiores investigações? Cuidado ao julgar condutas de colegas! O trabalho do ultimo médico é mais fácil, ja que ele pega a HND no final da evolução e tem todas as etapas para fazer seu diagnostico. Levem isso para a vida!

Pessoas em sofrimento frequentemente estão estressadas e podem, ofender-nos. Nessas horas são necessárias calma e compreensão. Muitos deles desculpam-se quando a dor passa. Levem isto também para a vida.

Frente a isso responda:

Qual a principal suspeita diagnóstica considerando problemas intestinais? Conhecer as 3 etapas aqui não é obrigação de voces, mas a ultima etapa é possível.

Qual a principal suspeita diagnóstica considerando problemas ginecológicos?
A paciente apresenta CAGE suspeito?

A paciente entende por "social" o uso de alcool que voce entende por "social"?

A paciente entende por "grave" a doença que tem pelo mesmo motivo que voce entende por "grave"?

A resposta as duas ultimas perguntas nos ensinam que devemos SEMPRE questionar significados subjetivos. Outra dica: Se o paciente deu risadinha, é porque nesse mato tem cachorro!

Nunca subestimem o tipo de difícil informante que podemos encontrar.

2 comentários:

  1. Nunca subestimem o tipo de difícil informante que podemos encontrar.
    https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=VX3lz5ph8A0

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  2. Respostas:

    Apendicite é inquestionavelmente a principal hipótese devido a identificação dos 3 estágios bem definidos. Dor de inicio epigástrica que evolui para difusa e localiza-se ao irritar o peritônio. Esse tipo de apresentação clínica maluca nao é corriqueira, a apendicite é um caso a parte.

    Ginecológicos é a gravidez ectópica que tende romper-se na segunda semana de gestação, ou seja, quando a mulher estava prestes a menstruar, antes mesmo de perceber o atraso. Por isso costuma ser diagnosticada depois de rota e é uma emergência já que o vaso sanguíneo local é razoavelmente calibroso e pode levar a morte por hemorragia em algumas horas.

    a paciente nao entende por social nem por grave o mesmo que nós entendemos! ela entende que a doença é grave por outro motivo. isso justifica sim sempre esmiuçar qualquer coisa que possa ter significado relativo. uma das coisas mais dificeis para pacientes determinarem é uma data de início ou mudança dos sintomas. a data é extremamente importante e devemos pressioná-los até nos darem uma janela de tempo relativamente útil e confiável.

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