CURIOSIDADE:
Qual é a alteração apresentada? Está relacionada com o quê?
A acanthosis nigricans (AN) é um termo utilizado para descrever zonas
espessadas (acantose = hiperplasia do estrato espinhoso da epiderme) e
hiperpigmentadas da pele, que afetam mais frequentemente áreas de flexuras (axilas, dobras cutâneas do pescoço e regiões inguinais e anogenitais). É um
marcador cutâneo de afecções cutâneas e malignas associadas e, portanto, pode
ser dividido em dois tipos. O tipo benigno,
que constitui cerca de 80% de todos os casos, desenvolve-se de forma
gradual, normalmente, acontece na infância ou puberdade. Pode ocorrer (1) como
herança autossômica dominante, com penetrância variável, (2) em associação a
obesidade ou a endocrinopatias (principalmente tumores hipofisários e diabetes tipo II) e (3) como parte de
algumas síndromes genéticas raras (Síndrome de Bloom, Síndrome de Alstrom).
Contudo, pode ser manifestação paraneoplásica, principalmente de
adenocarcinomas de TGI, particularmente CA gástrico. É raro a apresentação em
outros lugares do corpo, porém, quando atingem superfície palmar e plantar é típico de CA gástrico.
A distinção de AN paraneoplásica
torna-se facilitada pela exuberância com que se manifesta, a extensão e a
intensidade das lesões são maiores nesse subtipo, sendo o prurido,
incomodativo, a principal queixa do paciente; é uma situação que é recorrente
ao contrário das outra forma. As mucosas são mais afetadas nessa forma maligna.
Pode associar-se ao Sinal de Leser-Trélat (verrugas seborreicas múltiplas, de
aparecimento rápido e acompanhadas de prurido).
O mecanismo proposto para o
aparecimento de AN é a excessiva estimulação de queratinócitos e fibroblastos
cutâneos através da ativação de receptores de fatores de crescimento insulínico
(IGF-1) existentes nessas células. Como a insulina e o IGF-1 apresentam
estruturas homólogas, na presença de grandes concentrações de insulina existirá
uma reação cruzada entre essa substância e os receptores de IGF-1, com
hiperqueratose subsequente, explicando o aparecimento dessa patologia em estados hiperinsulinêmicos. O mesmo há
com o aumento do GH, que estimula o IGF-1. Contudo, na síndrome paraneoplásica
o mecanismo suposto é a produção de fatores de crescimento tumorais com capacidade
de estimulação de IGF-1 como TGF alfa.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS:
ROSÁRIO, F.; CALDEIRA, J. Acanthosis Nigricans revisitada.
Medicina Interna, v. 8, n. 4, p. 217-221, 2001.
CASO CLÍNICO III:
ANAMNESE:
Identificação: 20 anos, masculino, caucasiano,
natural e residente de Curitiba-PR, estudante.
QP: “Emagrecimento”
HMA: Paciente iniciou quadro de
emagrecimento de 10 kg em um mês, de 66 kg para 56 kg, sem anorexia. Relata
também há 1 mês quadro diarreico com 10 evacuações por dia, de odor rançoso, em
moderada quantidade, de duração contínua surgindo igualmente tanto de dia
quanto à noite, sem sangue, muco ou pus, mas com restos alimentares. Apresenta
associado dor em cólica, difusa, principalmente em região periumbilical,
intermitente sem alívio após evacuação. Nega puxo e tenesmo. Refere dores
articulares bilateralmente em joelhos e tornozelos, sem sinais flogísticos,
edema de MMII e distensão abdominal. Nega febre, uso anterior de antibióticos,
úlceras orais, lesões de pele, alterações oculares e cutâneas, disúria,
poliúria, polidipsia, agitação, sudorese, insônia, palpitações.
HMP: Nega operações, internamentos,
uso de medicamentos e alergias. Nega DM, HAS e doenças auto-imunes.
HMF: Mãe viva, 48 anos, sem
morbidades. Pai vivo, 52 anos, hipertenso. Irmãos são saudáveis.
CHV: Alimentação balanceada, ingere
todos tipos de alimentos. Nega tabagismo, etilismo ou tóxicos. Nega viagens
anteriores ao quadro e conhecidos com sintomatologia semelhante.
RS: sp.
EXAME FÍSICO:
Geral: Paciente emagrecido, LOTE,
anictérico, desidratado (+/4+), hipocorado (+/4+). PA: 110-80mmHg; Pulso: 80
bpm; FR: 16 rpm; T: 36,2°C.
Pele: Ausência de lesões, pele e
mucosas secas.
C/P: Conjuntivas hipocoradas (+/4+),
escleras anictéricas, língua despapilada, vasos sublinguais parcialmente
cheios. Ausência de linfonodomegalia. Tireoide palpável, com características
normais. Jugulares não ingurgitadas.
CPP: MV + bilateralmente e simétricos,
sem RA.
ACV: BCRNFSS.
Abdômen: distendido, flácido, com RHA
aumentados. Som timpânico a percussão, espaço de Traube livre e hepatimetria de
6 cm em LHCD. Ausência de massas, dor difusa leve a palpação do abdômen.
Ausência de dor a descompressão rápida.
MMII: Pernas edemaciadas bilateralmente
com cacifo.
EXAMES
COMPLEMENTARES:
Hb: 10,7 g/Dl
Ht: 33,3 %
VCM: 76 fl (80-100)
HCM: 26 pg (27-33)
CHCM: 30 g/dL (33-35)
Leucócitos: 4.320 (4.000-11.000)
Plaquetas: 273.000 (120.000-400.000)
VHS: 40mm/1ª hora
PCR: reagente
Albumina: 2,8g/dL (3,5-5,0)
Sorologias para hepatite B, C, HIV,
CMV e HSV não reagentes.
Exame parasitológico das fezes:
normal.
Alfa 1-antitripsina nas fezes: elevada
Alfa 1-antitripsina nas fezes: elevada
Anticorpos Anti-gliadina: normal
Anticorpos Anti-transglutaminase:
elevados
Glicose em jejum, ureia, creatinina,
bilirrubinas e transaminases normais.
Qual
o diagnóstico sindrômico e o etiológico?
Quais
os principais diagnósticos diferenciais?
Qual
o próximo passo para confirmação diagnóstica?
RESPOSTA AO CASO CLÍNICO III:
O
diagnóstico sindrômico é síndrome
consumptiva sem diminuição do apetite. Essa perda de 10kg em um mês, então,
direciona a 3 causas: hipertireoidismo,
diabetes mellitus tipo 1 ou síndrome disabsortiva.
Sabendo
que o paciente apresenta um quadro diarreico crônico alto por certas
características como odor rançoso das fezes, cólica difusa sem alívio após
evacuação e ausência de sangue, muco ou pus, além de negar puxo e tenesmo.
Normalmente, a diarreia alta apresenta menos frequência e é mais volumosa que a
diarreia baixa. Portanto, deve-se pensar em alguma causa diarreica alta.
Associado a diarreia,
também relatava edema de MMII, distensão abdominal e dor articular. Existem
diversas causas de artralgia e diarreia, entre elas estão: doença de Whipple,
DII (geralmente artrite) e outras doenças autoimunes, por exemplo, doença
celíaca. É importante ressaltar o significado dos “nega”, como uso anterior de
ATB (clostridium difficile, causa de
diarreia aguda com colite pseudomembranosa, geralmente após uso de amoxicilina),
febre (infecção), úlceras orais (Crohn, LES), lesões de pele (dermatite
herpetiforme para doença celíaca; eritema nodoso e pioderma gangrenoso para
DII, a primeira mais comum em Crohn e a segunda em RCU); polidipsia, poliúria
(DM tipo 1); sudorese, agitação, insônia, palpitações (hipertireoidismo) e
alterações oculares (DII); viagens e quadro semelhante em conhecidos
(infecções).
Partindo disso, no
exame físico, encontrou-se uma tireoide de aspecto normal, língua despapilada
(anemia carencial), edema de MMII com cacifo e abdômen distendido, além dos
sinais de desidratação. Nos exames complementares, glicemia de jejum normal,
anemia hipocrômica e microcítica, provas inflamatórias positivas sem
leucocitose, alfa 1-antitripsina elevada nas fezes (perda proteica pelo
intestino) e anticorpo antitransglutaminase tecidual positiva. Logo, o provável diagnóstico etiológico é
doença Celíaca. E o próximo passo é a EDA com biópsia de duodeno, sendo
confirmado o diagnóstico, deve ser feita a restrição alimentar ao glúten.
A doença celíaca é
uma enteropatia autoimune, induzida pela ingestão de glúten presente no trigo,
centeio, cevada e em menor proporção na aveia, estando subjacente uma
predisposição genética. A grande maioria dos pacientes expressa anticorpos
contra a enzima transglutaminase tecidular. Outrora considerada uma patologia
limitada à população pediátrica, o espectro variado de manifestações clínicas
da doença é hoje melhor conhecido e, graças aos avanços nas técnicas de
diagnóstico, é atualmente possível detectar a doença celíaca em adultos com
formas de apresentação atípicas ou oligossintomáticas. As complicações mais
graves são o desenvolvimento de neoplasias, nomeadamente linfomas.
O quadro clínico
nos adultos é dividido em sintomas gastrointestinais e manifestações extraintestinais. As fora do intestino são: anemia ferropriva,
diminuição da densidade mineral óssea, fadiga crônica, infertilidade, aumento
das transaminases, dermatite herpetiforme, artralgias, deficiência de
folato/zinco e sintomas neurológicos (predominantemente neuropatia periférica e
ataxia). Os sintomas gastrointestinais mais frequentes são a dor abdominal,
geralmente de tipo cólica, a distensão abdominal intermitente, dispepsia e
alterações dos hábitos intestinais. A diarreia não é um sintoma obrigatório e
até 50% dos doentes adultos apresentam obstipação como forma predominante.
A Dermatite
herpetiforme (DH) é uma manifestação cutânea caracterizada pela presença de
lesões papulovesiculares pruriginosas nos joelhos, cotovelos, ancas e costas
que ocorre em 10 a 20% dos doentes celíacos.
A prevalência de DC
em diabéticos tipo 1 foi
extensamente investigada e situa-se entre os 5-6%. Existem também fortes
evidências do aumento da prevalência de doença celíaca em crianças com doença tiroideia, doença hepática
autoimune, deficiência seletiva de IgA (prevalência de DC 10 a 20 vezes
superior à da população geral) e algumas cromossomopatias (Síndrome de Down,
Síndrome de Turner e Síndrome Williams).
Os testes
sorológicos mais sensíveis e específicos para a doença celíaca são os
anticorpos do tipo Imunoglobulina A: anti-endomísio (IgA anti-EMA mais
específico) e anti-transglutaminase tecidular (IgA anti-tTG mais sensível). Por
isso, é indicado para rastreamento o IgA anti-tTG. Os anticorpos anti-gliadina
são úteis para crianças menores de 2 anos, pois são os primeiros a aparecer. Em
adultos possuem níveis de sensibilidade e especificidade menor que o IgA
anti-tTg.
Referências Bibliográficas:
MACHADO, A.
S. ET AL. Doença celíaca no adulto: a propósito de um caso clínico. J Port
Gastrenterol, v. 13, p. 139-143, 2006.
TEXEIRA, N. F. G. Doença Celíaca Atualizada, 2012.
José Vitor Martins Lago
Poderia ser uma síndrome de má absorção intestinal levando em conta a diarréia, perda de peso e a anemia que o paciente apresenta. O que me chama a atenção é a dor articular em paciente jovem.Seria algo inflamatório talvez?
ResponderExcluirBoa hipótese diagnóstica, síndrome de má absorção intestinal por uma doença auto-imune que os anticorpos podem fazer reação cruzada com outros tecidos do corpo, por exemplo, o colágeno da articulação. Confira a resposta!
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