CURIOSIDADE
Por que a talassemia
é conhecida como doença do Mediterrâneo?
Talassemia vem de tálassos do grego, que significa
"mar". Logo, quer dizer
“anemia do mar". O termo anemia do mediterrâneo é também usado para
descrever Talassemia.
Essa desordem hereditária promove
a má formação da hemoglobina, sendo a doença genética mais comum do mundo.
Causa uma alteração quantitativa, ou seja, há uma produção reduzida ou ausente
da cadeia alfa ou beta da hemoglobina. No adulto, 97% da hemoglobina possui 2
cadeias alfa e 2 cadeias beta (hemoglobina A1), 2% possui 2 cadeias alfa e 2
cadeias delta (hemoglobina A2) e o
restante possui 2 cadeias alfa e 2 cadeias gama (hemoglobina F ou fetal). Sendo
assim, pode haver a alfatalassemia (diminuição da produção das cadeias alfa) e
a betalassemia (diminuição da produção das cadeias beta). Como resultado disso,
ocorre uma anemia hipocrômica e
microcítica.
É conhecida como doença do
Mediterrâneo pela grande prevalência dessa anemia naquela região. Existe uma forte
correlação com a epidemiologia da malária, pois é uma região endêmica para essa
doença infecciosa. Sabendo que não só a anemia falciforme, mas também a
talassemia promove um grau de proteção contra o plasmodium falciparum, o alto número de casos de talassemia no Mediterrâneo
é resultado da seleção natural dos indivíduos nessa região. Por isso, questionar sobre a descendência do indivíduo é um ponto importante na anamnese (portugueses,
espanhóis, italianos, gregos, egípcios, libaneses), pois pode ajudar a direcionar o
diagnóstico.
CASO CLÍNICO II:
ANAMNESE:
ID: GHG, 54 anos,
feminino, branca, natural e residente de Curitiba-PR, aposentada, casada.
QP: “Cansaço que
não resolve”
HMA: Paciente
refere que iniciou quadro de astenia e dispneia aos médios esforços há 1 ano,
tratados com sulfato ferroso durante 6 meses. Relata que continua com os mesmos
sintomas e com piora da dispneia aos pequenos esforços há 2 semanas associado a
palpitações. Afirma também episódio de epistaxe há 4 dias. Outros sintomas
associados são diarreia e emagrecimento de 5 kg em 2 meses com anorexia. Nega
febre, artrites, infecções, rigidez matinal e parestesias.
HMP: Nega
operações e internamentos anteriores. Refere artrite reumatoide, diagnosticada
há 2 anos, em uso de metotrexate 10 mg/semana e hidroxicloroquina 400 mg/dia.
Nega outras doenças auto-imunes. Nega também alergias e transfusões anteriores.
HMF: Pai faleceu
com 60 anos de ICC. Mãe faleceu aos 70 anos de AR. Nega casos de outras doenças
auto-imunes na família.
CHV: Ingesta de
hortaliças 1 vez a cada 3 semanas, prefere carnes e massas. Nega tabagismo e
etilismo.
RS: sp.
EXAME FÍSICO:
GERAL: BEG, LOTE,
ictérica (+/4+), hidratada, hipocorada (+++/4+). PA: 120-80 mmHg; pulso: 112
bpm; FR: 28 rpm; T: 36,6°C.
PELE: Palidez intensa
de pele e mucosas. Icterícia leve em escleras.
C/P: Olhos
escuros com pupilas isocóricas e fotorreagentes. Escleras ictéricas (+/4+), conjuntivas
hipocoradas (+++/4+). Língua despapilada e hiperemiada, vasos sublinguais
cheios e presença de petéquias em palato. Ausência de linfonodomegalia.
Jugulares não ingurgitadas.
CPP: MV +
bilateralmente e simétricos sem RA.
ACV: Bulhas
rítmicas e taquicárdicas com sopro sistólico (+/4+).
ABDÔMEN: globoso,
flácido com RHA presentes. Hepatimetria de 6 cm em LHCD. Espaço de Traube livre.
Som timpânico a percussão. Ausência de massas e dor a palpação.
NEUROLÓGICO:
- Estado Mental: LOTE. Glasgow: 15.
- Nervos cranianos: sp.
- Força e tônus muscular: tônus normal e força muscular
de 5 bilateralmente nos MMII e MMSS.
- Reflexos tendíneos: ++/4+ em bíceps, tríceps, braquiorradial, patelar, aquileu bilateralmente. Cutâneo plantar simétrico em flexão.
- Sensibilidade: vibratória e propriocepção
preservadas.
- Marcha: sem alterações características
- Coordenação: movimentos rápidos e
alternantes das mãos normais, index-nariz sem alteração.
- Equilíbrio: prova de Romberg negativa.
- Sinais Meníngeos: Kernig e Brudzinski ausentes.
EXAMES
COMPLEMENTARES:
Hemácias: 2.360.000/L (4-5,5 milhões)
Hb: 8,1 g/dL (12-16)
VCM: 115 fL (80-100)
HCM: 30 pg (27-33)
CHCM: 32 g/dL (33-35)
Reticulócitos: 0,9% (0,8%-4,5%)
Leucócitos: 3.800 (4000-11000)
Eosinófilos: 5%
Linfócitos: 42%
Bastões: 5%
Segmentados: 43%
Monócitos: 5%
Plaquetas: 65.000 (120.000-400.000)
Bilirrubina direta: 0,17 (0,2 a 0,4)
Bilirrubina Indireta: 2,59 (1,0 a 1,2)
TGO: 30 (até 45 )
TGP: 25 (até 40)
VHS: 18 (até 20)
PCR: negativo
Desidrogenase láctica: 1.842 (até 640)
Coombs Direto: negativo
Perfil do Ferro:
Ferro sérico: 180 (50-150)
Capacidade total de ligação ao ferro (TIBC): 250 (300-360)
IS: 55% (20-50%)
Ferritinina: 150 (12-150)
Qual provável
diagnóstico?
Qual a provável causa
da anemia?
Por que há uma
diminuição de leucócitos e plaquetas também?
Qual o principal
diagnóstico diferencial?
RESPOSTA AO CASO CLÍNICO II:
O diagnóstico é anemia megaloblástica
(geralmente com VCM caracteristicamente > 110). Por definição é causada por
defeitos na síntese de DNA, levando a divisão celular lentificada, mas com
amadurecimento normal do citoplasma, por isso as células se tornam grandes com
dissociação núcleo/citoplasma. As duas principais causas são deficiência de
cobalamina (vitamina B12) e de ácido fólico (vitamina B9). Dentre as causas de
deficiência de B12 estão a ingesta inadequada (vegetarianos estritos) má
absorção (acloridria por IBP, gastrectomia parcial ou total, anemia perniciosa,
ausência congênita de fator intrínseco, ressecção ou bypass ileal, ileíte
regional [doença de crohn], outras ileopatias [actínica, doença celíaca],
insuficiência pancreática, doença de Imerslund, drogas como colchicina, ácido
paraminossalicilico, neomicina, metformina). Já entre as causas de deficiência
de folato estão a ingesta inadequada (reserva de 4-5 meses), aumento das
necessidades (gravidez, hemólise, malignidade, doenças exfoliativas crônicas da
pele, hemodiálise), má absorção (Espru tropical, doença celíaca e drogas como
fenitoína e barbituratos) e prejuízo no metabolismo (inibidores da diidrofolato
redutase: metotrexato, pirimetamina, pentamidina e trimetropim; álcool).
A provável causa da anemia
megaloblástica é deficiência de ácido fólico, consequente à baixa ingesta de
hortaliças associado ao uso de metotrexato, inibidor da diidrofolato redutase
que expolia o ácido fólico, apesar de infrequente na dose usada pelo paciente.
Poderia ter sido feito a profilaxia com ácido folínico. As manifestações
clínicas são as da própria síndrome anêmica e mais as específicas como
petéquias e predisposição a sangramentos da plaquetopenia, glossite atrófica
dolorosa (língua em frambuesa), queilite angular, diarreia e perda ponderal e a
icterícia à custa de bilirrubinemia indireta, devido à hemólise, pois as
hemácias são defeituosas sem reticulocitose. Já as manifestações neurológicas
são exclusivas da deficiência de vit. B12 com sintomas do cordão posterior e
feixe piramidal lateral, levando ao desequilíbrio, perda da propriocepção,
diminuição da sensibilidade vibratória (precoce), marcha atáxica, prova de
Romberg +, síndrome do neurônio motor superior.
As plaquetas e os leucócitos
podem estar diminuídos também como no caso clínico, já que essas vitaminas são
fundamentais para a síntese do DNA e consequentemente para mitose celular. A
epistaxe e as petéquias no palato são decorrentes da plaquetopenia.
É importante pedir dosagem de B12
e de ácido fólico com a suspeita diagnóstica. Não diferenciando as duas,
pode-se pedir a dosagem de ácido metilmalônico, que está aumentado na
deficiência de B12 e a homocisteína está aumentada nas duas situações. Pode ser
feito também o teste de Shilling para o diagnóstico de anemia perniciosa.
Os principais diagnósticos
diferenciais para esse caso são a anemia de doença crônica (anemia normo/normo
ou anemia micro/hipo) e a anemia aplásica. A primeira em decorrência da AR,
contudo percebe-se que a PCR está negativa, refletindo que a doença está sobre
controle com o tratamento, e há um aumento no ferro sérico. Já a segunda,
também faz pancitopenia e macrocitose, contudo a macrocitose > 110 indica
anemia megaloblástica. Outro diagnóstico diferencial incluído na própria anemia
megaloblástica é a anemia perniciosa, onde há autoanticorpos contra as células
parietais do estômago, que produzem fator intrínseco, responsável pela absorção
de B12 no íleo terminal. Todavia, as pessoas acometidas são geralmente do sexo
feminino, olhos claros, cabelos brancos precocemente, hx familiar, tipagem
sanguínea tipo A com outras doenças auto-imunes associadas como vitiligo,
hipo/hipertireoidismo, doença de Addison, etc.
José Vitor Martins Lago
Nenhum comentário:
Postar um comentário