CURIOSIDADE:
O que é pica? Qual a
origem do termo?
Pica é definida como a ingestão
persistente de substâncias não nutritivas, ou seja, a perversão alimentar como
exemplos mais clássicos terra ou argila (geofagia) e gelo (pagofagia). Dentre
os fatores etiológicos desse transtorno, estão a deficiência de ferro e zinco.
Pássaro Pega ou Pica no latim. |
A
pica tem sido relatada desde o século V a.C., quando Aristóteles e Hipócrates
descreveram a pica e orientavam a respeito do suposto perigo em ingerir gelo.
Nessa mesma época, o médico romano Soranus descreveu a pica como um alívio aos
desejos e sintomas gestacionais, que se iniciam no 40º dia da gravidez. O
primeiro caso documentado de pica refere-se a uma gestante que ingeria terra e
foi descrito por Aetius, médico da corte de Justiniano I de Constantinopla. No
século X, Avicena, considerado o “Príncipe dos Médicos”, orientava que deficiências
nutricionais que poderiam levar a comportamentos de pica poderiam ser supridas
se o ferro fosse embebido no vinho. No século XVIII, ao divulgar que comia
argila, o sultão do Império Otomano disseminou o costume entre europeus, que o
adotaram, acreditando ser essa uma prática saudável.
Referência Bibliográfica:
KACHANI,
A. T.; CORDÁS, T. A. Da ópera-bufa ao caos nosológico: pica. Rev
Psiq Clín, v. 36, n. 4, p. 162-9, 2009.
CASO CLÍNICO I:
ANAMNESE
ID: D.Z.D, 54
anos, feminino, branca, natural e residente de Curitiba-PR, doméstica.
QP: “Cansaço e
dificuldade para engolir”
HMA: Paciente
iniciou astenia há 3 anos, de duração constante e de grande intensidade com
piora progressiva nos últimos 3 meses. Refere também dispneia aos médios
esforços, sem ortopneia, palpitações de curta duração pelo menos uma vez ao dia
e ingestão de gelo frequentemente. Nega pirose ou dor epigástrica, regurgitação,
melena, hematoquezia e alteração no hábito intestinal.
Afirma também disfagia há 1 ano, localizada em base de
pescoço, inicialmente para líquidos e posteriormente para alimentos sólidos, de
duração intermitente com períodos de remissão de até 1 semana, com piora no
último mês sem fator de alívio. Como sintomas associados refere emagrecimento
com anorexia de 4 kg em 6 meses. Nega odinofagia, fraqueza muscular proximal,
artralgias, febre, fenômeno de Raynauld e fotossensibilidade.
HMP: Nega
operações e internamentos anteriores. Em uso de enalapril 10 mg/dia para HAS.
Nega DM, reumatismo e dislipidemia. Nega também alergias e transfusões.
Menopausa há 5 anos.
HMF: Pai faleceu
aos 85 de IAM. Mãe aos 66 anos de AVE. Nega reumatismo ou câncer na família.
CHV: Nega hábito
de chimarrão ou bebidas quentes, alimentação balanceada, contudo em pequena
quantidade. Nega tabagismo e etilismo.
RS: sp.
EXAME FÍSICO:
GERAL: BEG, LOTE,
anictérica, hidratada, hipocorada (++/4+). PA: 120-85 mmHg; pulso: 108 bpm; FR:
28 rpm; T: 36,6°C.
PELE: Palidez de
pele e mucosas. Presença de queilite angular, moderada alopécia, unhas quebradiças e coilinóquia.
C/P: Escleras
anictéricas, conjuntivas hipocoradas (++/4+), amplitude normal de abertura da
boca, língua despapilada, vasos sublinguais cheios. Traqueia móvel e centrada,
tireoide normal. Ausência de linfonodomegalia. Jugulares não ingurgitadas.
CPP: MV +
bilateralmente e simétricos sem RA.
ACV: BCRNFSS
ABDÔMEN: globoso,
flácido com RHA presentes. Hepatimetria de 7 cm em LHCD. Espaço de Traube
livre. Som timpânico a percussão. Ausência de dor ou visceromegalia a palpação
superficial e profunda.
EXAMES
COMPLEMENTARES:
Hemácias: 4.060.000/L
Leucócitos: 5.600
Plaquetas: 595.000
Hb: 8.2 g/dL
VCM: 77 fL
HCM: 25 pg
CHCM: 30 g/dL
Perfil do Ferro:
Ferro sérico: 25 (50-150)
Capacidade total de ligação ao ferro (TIBC): 400 (300-360)
IS: 10% (20-50%)
Ferritinina: 4 (12-150)
Qual provável
diagnóstico?
Quais as principais
hipóteses diagnósticas para disfagia?
RESPOSTA AO CASO
CLÍNICO I:
O diagnóstico é anemia ferropriva com presença de
sintomas e sinais clássicos como: astenia, dispneia aos esforços, palpitações,
pica (ingestão de gelo) muito característica desse tipo de anemia, palidez
cutâneo-mucosa, glossite atrófica, queilite angular, unhas quebradiças,
coilinóquia (unha em colher) e alopecia. É importante sempre tentar buscar a
causa base da anemia ferropriva. Na idade da paciente (pós-menopausa) sempre
pensar em sangramentos do TGI como esofagite, gastrite ou úlcera e câncer de cólon.
Mesmo negando sintomas específicos associados a essas doenças, é necessário
realizar uma colonoscopia, pois câncer de cólon direito ou de ceco são
silenciosos e assintomáticos. Em mulheres na pré-menopausa considerar
hipermenorreia e crianças e adolescentes demanda aumentada pelo crescimento ou
sangramento GI por parasitas.
Nos exames laboratoriais, percebe-se uma
anemia microcítica e hipocrômica, dando a possibilidade de quatro causas:
ferropriva, doença crônica, talassemia ou sideroblástica. O principal diagnóstico
diferencial é com anemia de doença crônica, produtoras de IL-1, IL-6, TNF como
doenças infecciosas/inflamatórias crônicas ou neoplasias. Nesse caso, o perfil de
ferro as diferencia. Na anemia ferropriva há uma diminuição no ferro sérico,
índice de saturação, ferritina e aumento na TIBC, pois como não há ferro no
organismo, logo a capacidade de ligação total ao mesmo está aumentada. Em 15% dos pacientes
há trombocitose.
Por fim, a disfagia da paciente
leva nos a pensar na síndrome de
Plummer-Vinson ou Pateson-Kelly, que sempre deve ser suspeitada no paciente com anemia intensa com dificuldade para deglutir. É caracterizada pela tríade: disfagia
alta associada a diafragma
hipofaríngeo (membrana esofágica) e anemia ferropriva. Sendo necessários exames como EDA ou estudo
radiográfico do esôfago para confirmá-la. Geralmente não resolve com a correção
da anemia ferropriva, necessitando de terapia endoscópica. É necessário afastar também diagnósticos diferenciais como dermato/polimiosite (disfagia alta),
esclerodermia (disfagia baixa) ou até mesmo CA de esôfago.
José Vitor Martins Lago
Anemia de caráter hipo/micro, possivelmente ferropriva (presença de malásia e coiloníquia). Necessidade de se investigar sangramentos e ciclo menstrual. Hipóteses para disfagia???
ResponderExcluirIsso aí Marcos, anemia ferropriva mesmo pelo perfil do ferro, ferro sérico baixo, índice de saturação da transferrina baixo, ferritina baixa e capacidade total de ligação alta (já que não tem ferro, tem bastante lugar para ligação). Pensar em sangramento do trato digestivo principalmente, já que ela está menopausada. A resposta da disfagia estará aqui domingo. Abraço.
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