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Monitores 2013.2

Semiologia II

16/06/13

Curiosidade:


Origem dos epônimos tendão de Aquiles e Pomo de Adão?

Tendão de Aquiles:

Tendão conjunto de inserção dos músculos gastrocnêmio e sóleo no osso calcâneo. O nome deriva do fato de Aquiles haver sido seguro pelos tornozelos, ao ser mergulhado no lago batismal. Como a água benta não entrou em contato com o tendão calcâneo, essa parte do corpo ficou vulnerável. Na Guerra de Tróia, Aquiles foi posto fora de combate após ter tido seu tendão calcâneo transfixado por uma flecha, disparada pelo guerreiro Paris.

Aquiles e a Flecha no tendão vulnerável


Pomo de Adão:

Saliência na face anterior do pescoço (proeminência laríngea), causada pelo ângulo formado pela junção das bordas anteriores das duas lâminas da cartilagem tireóide. Em latim chama-se pomum (polpa como a maça) adami. Logo, o termo deriva da idéia de que parte da maçã proibida, ingerida por Adão, ficou presa em sua garganta.

Adão e Eva e a maça proibida.


Caso Clínico XI:

Anamnese:

Identificação: DFS; 63 anos; masculino.
Queixa Principal: “Fraqueza nos braços e pernas”
HMA: Paciente iniciou quadro de fraqueza proximal há 8 meses de maneira lentamente progressiva em MMSS e MMII, agora não consegue levantar-se da cama. Refere que há uma melhora na força dos membros após o exercício físico. Relata como sintomas associados fadiga excessiva há 6 meses, parestesia nos dedos da mão e pés, xerostomia, impotência sexual há 1 ano, tosse crônica e emagrecimento de 5 kg em 3 meses. Nega diplopia, disartria, disfagia, dispneia, artrites e febre.
HMP: Refere revascularização do miocárdio há 5 anos. Refere HAS, nega DM e hipotireoidismo. Em uso de captopril, clortalidona e sinvastatina. Nega alergias.
HMF: Pai faleceu aos 60 anos CA de pulmão e mãe 75 de AVE.
CHV: Alimentação com ingesta de bastante fibras como frutas. Tabagista de 1 maço por dia durante 44 anos. Afirma que toma 1 lata de cerveja no final de semana.
RS: sp

Exame Físico:

Geral: Paciente em REG, LOTE, anictérico, hidratado e hipocorado (+/4+). PA: 130-80mmHg; pulso: 88 bpm; T: 36,6°C; FR: 16 rpm.
CPP: Mucosas hipocoradas (+/4+), escleras anictéricas, ausência de linfonodomegalia e jugulares não ingurgitadas.
Tórax: MV + bilateralmente, sem ruídos adventícios.
ACV: BCRNFSS.
Abdômen: flácido e globoso com RHA presentes. Ausência de dor ou massas a palpação.
Neurológico:
Estado Mental: Lúcida e orientada em tempo e espaço. Glasgow: 15
Nervos cranianos: I- olfato normal, II- ausência de diplopia, III, IV normais, V- motor- força normal dos músculos da mastigação, sensorial- sem alteração nas três regiões, VI, VII- sem anormalidades, VIII- audição bilateral ao relógio, IX e X – reflexo de vômito preservado, ausência do sinal da cortina; XI; força do ECM e trapézio 5/5; XII: língua na linha média.
Força e tônus muscular: tônus reduzido, 2/5 em ombros, 3/5 bíceps, 3/5 tríceps, 4+/5 preensão, 2/5 quadril, 3/5 coxas, 4+/5 perna e 5/5 pés bilateralmente.
Reflexos tendíneos:

Reflexos
Bíceps
Tríceps
Braquiorradial
Patelar
Aquileu
Cutâneo Plantar
direito
ausente
+
+
+
+
ausente
esquerdo
ausente
+
+
+
+
ausente





*Tornam-se normais após breve exercício.

Sensibilidade: preservada
Marcha: sem alterações características
Coordenação: movimentos rápidos e alternantes das mãos normais, index-nariz sem alteração.
Equilíbrio: prova de Romberg negativa.
Sinais Meníngeos: Kernig e Brudzinski ausentes.

Exames Complementares:

Eletrocardiograma normal;
CPK: normal
FAN, TSH, T4 livre normais
Raio-x de Tórax:


Qual provável diagnóstico?
Qual a patologia subjacente que é a possível causa para o quadro clínico apresentado?
Quais os diagnósticos diferenciais?


José Vitor Martins Lago

Resposta ao Caso Clínico XI:

Este paciente apresenta as características clássicas da Síndrome Miastênica de Lambert-Eaton (SMLE) com fraqueza muscular moderada, hiporreflexia, ambos melhoram com esforços repetitivos, e sintomas autonômicos, como boca seca e impotência.
A SMLE é um distúrbio pré-sináptico da junção neuromuscular autoanticorpos dirigidos contra os canais de cálcio, detectados em 85% dos pacientes por radioimunoensaio. O diagnóstico pode ser confirmado pelo exame eletroneuromiográfico, onde a estimulação nervosa inicial é de baixa amplitude e, em baixas taxas de estimulação repetida (2 a 3 Hz), respostas decrementais semelhantes à aquelas apresentadas na Miastenia Gravis. Entretanto, na presença de altas taxas (50 Hz), ou após realização de exercício, ocorrem respostas incrementais.

O câncer de pequenas células (oat cells) do pulmão é encontrado em 50% dos pacientes com SMLE, apresentando um prognóstico reservado. Como o paciente é tabagista, hx familiar de câncer de pulmão e ao raio-x apareceu um nódulo em região superior do pulmão esquerdo, este diagnóstico é muito provável. Contudo essa síndrome pode estar associada à doenças autoimunes: anemia perniciosa, vitiligo, doença celíaca, DM tipo 1, AR, RCU, esclerodermia, esclerose múltipla.
                O uso de IECA (captopril) acaba mascarando o quadro clínico do tumor subjacente, já que leva o médico a pensar que a tosse é do medicamento. Outro fato relevante é o uso de sinvastatina que pode cursar com rabdomiólise, sendo assim acaba entrando como um possível diagnóstico diferencial, contudo a CPK estava inalterada.
Diagnósticos diferenciais:
Miastenia gravis – Pacientes com miastenia gravis, no início, apresentam sintomas bulbares, como diplopia, disfagia e encurtamento da respiração. Além disso, a fraqueza muscular não melhora após exercício e sim piora com fatigabilidade.

Polineuropatia desmielinizante inflamatória crônica (PDIC) – esta doença caracteriza-se por fraqueza muscular proximal progressiva e arreflexia. Esses pacientes não apresentam sintomas autonômicos e fenômeno de facilitação da força muscular ou reflexos, com os exercícios.

09/06/13

Curiosidade:


Qual a origem da palavra coreia? Por que dança de São Vito?

"Choreia" do grego significa “dança”. Foi usado, inicialmente, por Paracelsius para descrever a coreia de São Vito, uma provável forma epidêmica de coreia histérica. Em 1661, Felix Meyer observou a associação entre coreia gravídica. Posteriormente em 1675, Thomas Sydenham identificou uma forma de coreia da infância em associação com febre e artrite (reumática). Em 1872, George Huntington descreveu uma forma hereditária de coreia, com início na vida adulta e associada com outros distúrbios motores (bradicinesia, perda do equilíbrio, distúrbio da marcha, alterações da motricidade ocular), perda cognitiva e distúrbios psiquiátricos. De um modo geral, pode-se dizer que a coreia é um distúrbio decorrente de anormalidade no funcionamento dos gânglios da base.
Definição: Movimentos involuntários, breves, rápidos, desordenados, de ocorrências inesperadas e arrítmicas, multiformes e sem finalidade. Localizam na face, MMSS e MMII. Essas características peculiares apresentam um aspecto semelhante a uma dança de movimentos variados.

São Vito

São Vito ou São Guido é considerado o padroeiro dos epilépticos e um dos santos mais populares da Idade Média. O termo popular “dança” (ou doença) de São Vito inicia-se na idade média. Fungos, hoje sabidamente alucinógenos, cresciam junto aos campos de centeio, dos quais os pães eram feitos. Frequentemente, tais alimentos provocavam reações incompreensíveis para o conhecimento da época. Multidões se punham a dançar histericamente e a autoflagelar-se em frenesi, após comerem pães contendo os referidos fungos. Muitas vezes ocorriam manifestações típicas de ergotismo com movimentos involuntários associados a sintomas digestivos. O mais célebre desses episódios ocorreu em Aix-de La Chapele, França, no ano de 1374, recebendo a denominação de “dança de São Guido” (ou São Vito), nome que tomou de empréstimo a coréia reumática pela semelhança do quadro clínico, embora, sabemos hoje, sejam afecções distintas.

Em estudo realizado Mendes (1996), as principais causas de coreia foram: de Sydenham (51,3%); doença de Huntington (18,5%); doença cerebrovascular (9,2%); senil (3,4%); gravídica (2,5%); colagenose (2,5); uso de anovulatório (0,8%); entre outras.

Referências Bibliográficas:
MENDES, M. F.; ANDRADE, L. A. F.; FERRAZ, H. B. CORÉIA. Arq Neuropsiquiatr, v. 54, n. 3, p. 419-427, 1996.
MALACHIAS, M. V. B. A verdadeira história da dança de São Guido. Jornal SBC, p. 20, mai/jun 2000.

Caso Clínico X:

Anamnese:

Identificação: GSN; 33 anos; masculino; japonês; natural e residente de Curitiba-PR; solteiro; advogado.
Queixa Principal: “Desmaio”
HMA: Paciente refere história de primeira síncope há 1 hora durante 1 minuto. Afirma que pouco antes do episódio apresentou, de início súbito, palpitações de forte intensidade enquanto jogava futebol. Nega relação com ambiente quente ou aglomerado. Como sintoma associado relata um episódio de dispneia agônica noturna há um mês quando estava gripado e com febre, porém com melhora após alguns minutos. Nega outros sintomas como náusea, vômito, salivação, incontinência de esfíncteres, maceração de língua, dispneia aos esforços e dor torácica.
HMP: Nega doenças na infância, operações e internamentos. Nega HAS, DM ou outras cardiomiopatias e uso de medicamentos.
HMF: Irmão com história de morte súbita (IAM) aos 40 anos. Pai e mãe vivos sem comorbidades relevantes.
CHV: Mora em casa de alvenaria. Boa alimentação com frutas e verduras. Tabagista 13 anos/maço. Consumo de álcool social, aproximadamente 5 latas de cerveja a cada mês. Nega uso de drogas.
RS: sp.

Exame Físico:
                                                                                                               
Geral: Paciente em BEG, LOTE, anictérico, acianótico, hidratado e normocorado. Glasgow 15. PA: 130-90 mmHg; pulso: 90 bpm; temperatura: 36,6°C e FR: 16 rpm.
C/P: sp
ACV: Ictus invisível e palpável ao nível do 5° EI esquerdo na região inframamilar. BCRNFSS.
CPP: MV+ sem ruídos adventícios.
Abdômen: sp
Neurológico: sp

Exames Complementares:

        ECG:


Marcadores de necrose miocárdica e ecocardiograma transtorácico: normais.

Qual o provável diagnóstico?
Quais as alterações no ECG?

José Vitor Martins Lago

Resposta ao Caso Clínico X:

O diagnóstico provável é síncope cardíaca (perguntar se há relação com o exercício) por Síndrome de Brugada, no caso, caracterizada por história de morte súbita familiar na faixa etária de 40 anos e achados eletrocardiográficos de bloqueio de ramo direito, elevação do segmento ST em derivações precordiais direitas na ausência de um intervalo QT longo e anormalidades cardíacas estruturais. É responsável por 40 a 60% dos casos de fibrilação ventricular idiopática. A Síndrome de Brugada é um distúrbio autossômico dominante talvez com incidência maior em asiáticos (o paciente era japonês) causado por uma variedade de mutações nos genes dos canais de sódio cardíacos, responsável pela criação de um ambiente arritmogênico.
O eletrocardiograma do paciente demonstra um supradesnivelamento do segmento ST nas derivações V1 e V2 conforme destacado e um padrão de bloqueio de ramo direito (seta) típicos da Síndrome de Brugada.

O diagnóstico é baseado nos achados de eletrocardiograma que podem ser o padrão de bloqueio de ramo direito associado a três tipos de alteração do segmento ST: tipo 1 é caracterizado pela por uma elevação do segmento ST de 2 mm “encoberta” seguida de onda T negativa e a SB é confirmada se tais achados se encontram nas derivações precordiais direitas (V1 a V3) na presença ou ausência de bloqueadores do canal de sódio e associada a uma das condições: fibrilação ventricular documentada, taquicardia ventricular polimórfica, história familiar de morte súbita antes dos 45 anos, mesmo padrão eletrocardiográfico em outros membros da família ou indução de arritmias ventriculares ao estudo eletrofisiológico, síncope ou respiração agônica noturna. Nestas situações as alterações da SB podem ser “desmascaradas” por drogas bloqueadoras do canal de sódio, ou de ação vagotônica ou ainda durante estados febris. O tipo 2 é caracterizado pela presença de uma elevação do segmento ST de 2 mm seguido de um infradesnivelamento do segmento ST de 1 mm ou onda T positiva ou bifásica. O tipo 3 tem uma elevação do segmento ST de 1 mm em mais de uma derivação precordial direita que com a administração de bloqueadores do canal de sódio aumenta para mais de 2mm.
Tipo 1, 2 e 3 da Síndrome de Brugada

É importante ressaltar os diagnósticos diferenciais de síncope, sendo o principal e a mais frequente: a desencadeada por reflexo vasovagal. Geralmente a síncope neurocardiogênica associa-se com sintomas prodrômicos como náuseas, vômitos, mal-estar, palpitações e escurecimento da visão. Diversas situações podem desencadear como dor intensa, medo, ambientes aglomerados, perda de sangue. Além disso há outras síncopes estimuladas pelo vago como a situacional (desencadeada por micturação, defecação, tosse, deglutição, pós-prandial) e a hipersensibilidade do seio carotídeo (lembrar da camisa com gravata). Também é importante distinguir de outros sintomas como convulsões (liberação de esfíncteres, maceração de língua, danos aos dentes, confusão pós-ictal prolongada) e lipotimia (uma espécie de pré-sincope, onde indivíduo perde o tônus postural, contudo não perde a consciência).

02/06/13

Curiosidade:

Quem foi Babinski? Qual a definição do sinal?

Joseph Félix François Babinski nasceu em Paris em 1857. Segundo filho do engenheiro Alexander Babinski e da também polonesa Henriette Weren, imigrantes fugidos de uma Polônia dividida por uma guerra entre a Rússia e a Prússia. Babinski tornou-se o pupilo predileto do Professor Jean-Martin Charcot. Entre os alunos do professor francês estavam: Sigmund Freud; Joseph Bouchard; Georges Gilles de la Tourette; Alfred Binet.

Charcot é considerado o “pai da neurologia moderna”, famoso por descrever várias patologias como artropatia de Charcot, Doença de Charcot (Esclerose Lateral Amiotrófica) e Tríade de Charcot da colangite (icterícia, dor em hipocôndrio direito e febre).

Une leçon clinique à la Salpêtrière, Pierre-André Brouillet Charroux,1887. Óleo sobre tela, Museu de Nice.

Professor Jean-Martin Charcot ensinando no Hospital da Salpêtrière em Paris. Mostrando a seus alunos uma mulher ("Blanche" (Marie) Wittman) em um ataque histérico (“hystera” do grego significa útero). Wittman é suportada pelo aluno de Charcot, Joseph Babinski.


Retornando ao sinal de Babinski, que consiste na dorsiflexão ou extensão do hálux com ou sem abertura dos outros dedos em forma de leque, ou seja, é patológico. Portanto, a utilização de sinal de Babinski positivo é um pleonasmo. Esse sinal indica lesão da via piramidal ou cortico-espinhal em adultos.  Em crianças de até 2 anos, é fisiológico, graças a não mielinização completa do trato cortico-espinhal, não ocorrendo inibição do córtex cerebral.
Reflexo cutâneo-plantar
Existem várias técnicas para testar esse sinal. Entre elas a mais clássica: onde o examinador estimula superficialmente a região plantar, próximo à borda lateral e no sentido póstero-anterior, fazendo um leve semicírculo na parte mais anterior. A resposta normal é representada pela flexão dos dedos (reflexo cutâneo plantar). Pode haver abolição do reflexo quando há interrupção do arco reflexo e, algumas vezes, na fase inicial da lesão da via piramidal.








           Outras variantes para a busca do sinal de Babinski:

- Sinal de Gordon: compressão com a mão dos gastrocnêmios



- Sinal de Oppenheim: deslizamento com força com os dedos do examinador de cima para baixo na tuberosidade da tíbia.



- Sinal de Schaeffer: compressão com o indicador e o polegar o tendão de Aquiles.



- Sinal de Chaddock: atrito na região inframaleolar



- Sinal de Rossolimo: percussão da base dos artelhos




Caso Clínico IX:

Anamnese:

Identificação: 45 anos, mulher, branca.
Queixa Principal: Formigamento
HMA: Iniciou quadro de parestesias bilaterais há 5 meses, primeiro em região de pés até alcançar os joelhos, quando concomitantemente iniciou-se em mãos. Refere duração contínua, sem fator de alívio ou piora. Como sintomas associados apresenta disbasia progressiva (em cadeira de rodas) há 2 meses, dispneia aos esforços sem ortopneia, ardor lingual e fadiga, todas há 3 anos. Nega cefaleia, alteração nos esfíncteres, sangramentos.
HMP: Nega operações e internamentos anteriores. Refere sífilis há 30 anos, porém tratada com penicilina sem recorrências ou recidivas. Nega DM e HAS. Apresenta hipotireoidismo e anemia há 3 anos. Em uso de sulfato ferroso 200 mg/dia e levotiroxina 70 μg/dia. Nega transfusões anteriores.
HMF: Mãe faleceu aos 60 anos de embolia pulmonar e pai aos 48 de cirrose hepática.
CHV: Alimentação saudável com ingesta balanceada de carnes e verduras. Nega tabagismo e etilismo.
RS: sp

Exame Físico:

Geral: Paciente em REG, LOTE, anictérica, hidratada, hipocorada (+++/4+). PA: 120-80mmHg; pulso: 104 bpm; T: 36,6°C e FR: 20 rpm.
C/P: Conjuntiva hipocorada (+++/4+) e língua lisa e despapilada. Tireóide aumentada à palpação.
CPP: Expansibilidade normal. MV + bilateralmente, sem ruídos adventícios.
ACV: BCRNF com sopro sistólico em ejeção difusamente.
Abdômen: flácido, globoso, RHA presentes. Timpanismo a percussão. Hepatimetria normal e espaço de Traube livre. Ausência de massas ou dor a palpação.
Neurológico:
1) Estado Mental: Lúcida e orientada em tempo e espaço. Glasgow: 15
2) Nervos cranianos: I- olfato normal, II- visão normal III, IV normais, V- motor- força normal dos músculos da mastigação, sensorial- sem alteração nas três regiões, VI, VII- sem anormalidades, VIII- audição bilateral ao relógio, IX e X – reflexo de vômito preservado, ausência do sinal da cortina; XI; força do ECM e trapézio 5/5; XII: língua na linha média.
3) Força e tônus muscular: hipertonia elástica nos quatro membros, 4+/5 em ombros, 4+/5 bíceps, 4+/5 tríceps, 4+/5 preensão, 4+/5 quadril, 4+/5 coxas, 4+/5 perna e 4+/5 pés bilateralmente.
4) Reflexos tendíneos:

Reflexos
Bíceps
Tríceps
Braquiorradial
Patelar
Aquileu
Cutâneo Plantar
direito
++++
++++
++++
++++
++++
Em extensão
esquerdo
++++
++++
++++
++++
++++
Em extensão
   
  
5) Sensibilidade: hipoestesia tátil epicrítica em “luvas” e em “botas de cano alto” bilateralmente. Apalestesia (perda da sensibilidade vibratória) e perda da noção da posição segmentar.
6) Marcha: ataxo-talonante
7) Coordenação: movimentos rápidos e alternantes das mãos normais, index-nariz sem alteração.
8) Equilíbrio: prova de Romberg positiva sem tendência de lateralização na queda.
9)Sinais Meníngeos: Kernig e Brudzinski ausentes.

Exames Complementares:

Hemoglobina: 5,6 g/dl (12-16)
VCM: 105 (80-100)
HCM: 28,6 (27-32)
CHCM: 34 (30-36)
Leucócitos: 1500 (4000-11000)
Linfócitos: 57%
Monócitos: 5%
Bastões: 1%
Segmentados: 37%
Reticulócitos: 0,7 % (0,8-4,1)
Plaquetas: 100.000 (150.000-400.000)
Esfregaço de sangue periférico: Presença de megaloblastos no esfregaço.
Vitamina B12: 40 pg/ml (> 150 pg/ml)
Ácido Fólico: 3,4 (3-17)
Liquor: normal

Qual provável diagnóstico?


Qual a etiologia?


Resposta ao Caso Clínico IX:
            
O provável diagnóstico é degeneração combinada subaguda de medula, graças à deficiência de vitamina B12. Provavelmente a paciente apresenta anemia perniciosa, em decorrência da associação com o hipotireoidismo, que normalmente é associado com essa patologia. É uma doença da idade madura (>50 anos), de ambos os sexos, da raça branca, mais frequente em pacientes de pele clara e olhos azuis. Há deficiência de fator intrínseco por atrofia ou ausência das células parietais, por produção de anticorpos anti células parietais, levando a incapacidade de absorção de vitamina B12.           
O quadro clínico caracteriza-se por cansaço, palidez acentuada, língua lisa, ardor lingual, sensação parestésica nos membros inferiores e mãos, dificuldade de locomoção, alterações dos esfíncteres, hipo- ou hiperreflexia, perturbação mental (alucinações). É clássica a presença do sinal de Babisnki. Ocorre degeneração dos cordões laterais e posteriores da medula. Prova de Romberg positiva sem lateralização. Pode haver uma pancitemia, pois a vitamina B12 é fundamental para fabricação do DNA das células.       
  Além disso, o diagnóstico diferencial deveria ser feito com sífilis já que pode haver tabes dorsalis 20-30 anos após a infecção primária, contudo foi adequadamente tratada aparentemente. Nota-se também um erro comum na prática clínica que é o tratamento de qualquer anemia, sem fundamentação, com sulfato ferroso. 

José Vitor Martins Lago
26/05/13


Curiosidade:

Qual a origem do termo gota? Por que acomete mais a 1ª MTF?

Gota é uma doença conhecida desde 2640 a.C identificada pelos papiros egípcios. Hipócrates a descreveu e correlacionou a doença com hábitos de vida imoderados (mesas fartas de alimentos finos e bebidas associado à gula), denominando “doença dos ricos” ou “doença dos reis”. Logo, acometeu várias personalidades célebres da história, entre essas pessoas estão: Isaac Newton, Michelangelo, Alexandre- o Grande, Benjamin Franklin, Charles Darwin, Carlos Magno, Henrique VIII, 19 dos 30 imperadores romanos, 7 papas, 8 reis de França, 5 reis de Inglaterra, 2 reis de Portugal, 5 Médici, 8 duques de Lorena.

Esse quadro representa um aristocrata, obeso, sentado perto à lareira para certa melhora da dor da gota, a expressão representa a dificuldade do tratamento naquela época. 
Contudo, o termo “gota” vem do latim “gutta” e é baseado na teoria dos quatro humores corporais, responsáveis em equilíbrio por manter a saúde, com excesso de um deles ocorreria, em certas circunstâncias, o “gotejar” em uma articulação, causando dor e inflamação.
O podagra, inflamação da primeira metatarsofalangiana, é a manifestação clássica do primeiro ataque da doença. Contudo, outras articulações podem ser o local do ataque inicial: tornozelo, joelhos, punhos, dedos e cotovelos.

“The Gout” de James Gillray, 1799
James Gillray (1757-1815) foi um dos mais influentes caricaturistas da história inglesa. Como resultado do alcoolismo, Gillray sofria de gota ao longo de sua vida adulta. Pessoas que sofrem de gota comentam que essa ilustração é uma das melhores já desenhadas para representar a dor sofrida.
A razão para acometer essas articulações, baseia-se no fato de que a concentração normal de uratos no sangue está próxima à razão de solubilidade dos uratos à temperatura normal do corpo humano. Por exemplo, a 37°C, o limite de solubilidade do ácido úrico é 6,5 mg%. À temperatura de 30°C, o ácido úrico irá se precipitar à uma concentração maior que 5,2 mg%.
Outra observação é a de que a difusão da água na membrana sinovial é muito mais rápida do que a do ácido úrico. Isso promove, transitoriamente, concentrações altas do cristal, o que favorece a precipitação. A 1ª MTF, muito sujeita a microtraumas com o seu uso, rotineiramente está edemaciada, e esse líquido dilui o ácido úrico contido na mesma. Ao repouso, à água é reabsorvida mais rapidamente que o ácido úrico, causando um ataque agudo de artrite. Portanto, esses dois fatores temperatura e reabsorção explicariam porque muitas crises acontecem de madrugada.

Referências Bibliográficas:

MAFFI, Silvio. Clínica e Cirurgia do Pé: GOTA – Artrite Gotosa no Hallux – Podagra. Disponível em: http://www.clinicaecirurgiadope.com.br/artigo/17. Acesso em: 26 de maio de 2013.
NUKI, George; SIMKIN, Peter. A concise history of gout and hyperuricemia and their treatment. Arthritis Research & Therapy, v. 8, n. 1, p. 1-5, 2006
SKARE, Thelma Larocca. Reumatologia: princípios e prática. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2007. 335 p.

Caso Clínico VIII:

Anamnese:
Identificação: JRS; 55 anos; masculino; branco; natural e residente de Curitiba-PR; casado; engenheiro.
Queixa Principal: Dor no tórax
HMA: Paciente iniciou dor no tórax há 5 horas após queda de mesmo nível por desequilíbrio. Refere que a dor é na 10ª costela na linha axilar anterior direita, de grande intensidade, em pontada sem irradiação. Duração contínua com piora a inspiração profunda. Como sintomas associados refere crepitação óssea audível e dispneia, contudo está há 4 meses com piora aos médios esforços e associada com palpitações. Nega ortopnéia e dispneia paroxística noturna.
HMP: Nega doenças na infância e operações anteriores. Nega internamentos anteriores. Apresenta HAS e DM. Em uso de enalapril, hidroclorotiazida e metformina.
HMF: Nega história de fraturas na família. Pai faleceu aos 72 anos de IRC e mãe aos 64 de TEP.
CHV: Refere alimentação com bastante ingesta de leite e derivados. Nega etilismo. Tabagismo há 30 anos, meio maço dia.
RS: Sistema urinário: urina espumosa; Sistema vascular: edema; Pele: prurido.
Exame Físico:
Geral: Paciente BEG, LOTE, anictérico, hidratado, hipocorado (++/4++++). PA: 130/80 mmHg; pulso: 108; T: 36,6°C; FR: 16 rpm. Altura: 1,72; Peso: 78 kg.
Pele: Lesões crostosas secundárias ao prurido.
C/P: Edema periorbital.
ACV: BCRNFSS
CPP: Nenhuma deformidade é observada. MV + bilateralmente. Crepitação óssea em campo inferior do hemitórax direito.
Abdômen: flácido e globoso, RHA presentes. Som timpânico a percussão, espaço de Traube livre e hepatimetria normal. Ausência de dor ou massas a palpação. Sinal da macicez móvel e macicez em flancos ausentes.
Vascular: edema com cacifo bilateralmente em membros inferiores. Ausência de sinais de insuficiência vascular.
Exames complementares:
Hemograma: Hb: 9; VCM: 84; HCM: 29 CHCM: 35
Creatinina: 4,5 (0,9-1,3)
Uréia: 150 (<40)
Cálcio: 8,0 (8,5-10,5)
Fosfato: 9,3 (3,5-5,5)
Vitamina D (25OH): 8,2 (>20)
Paratormônio: 90 (12-65)
Densitometria óssea: Escore T: L2-L4 < -2,5

Qual a causa da osteoporose?


Qual a origem da dispneia?



Resposta ao Caso Clínico VIII:

            Paciente apresenta osteoporose, baseado tanto na fratura apresentada em um trauma de baixa energia como na densitometria óssea com o escore T menor ou igual a -2,5 de coluna lombar.
         A partir disso, como o é paciente homem e apresentar somente tabagismo como fator de risco, procurou-se uma causa secundária para a osteoporose. Percebe-se que há uma insuficiência renal crônica com uremia (proteinúria, prurido sine matéria, edema facial e em pernas). A uremia causa uma deficiência na produção de 1,25 (OH)2 vitamina D pela lesão renal. A redução de calcitriol prejudica a absorção de cálcio no intestino, levando a hipocalcemia. Logo acarreta um hiperparatireoidismo secundário. Caracteriza-se por hiperfosfatenemia (diferença entre a deficiência de vitamina D, onde aqui o fosfato está baixo), cálcio no limite inferior da normalidade ou baixo, paratormônio alto e vitamina D baixa.
         A dispneia não é aparentemente da fratura, apesar da crepitação. A origem da dispneia é da anemia normo/normo, graças à insuficiência renal crônica em detrimento à produção de eritropoitina.


José Vitor Martins Lago

Curiosidade

Qual a origem e o que significa a palavra flogose? Por que a artrite piora à noite?

Inflamação e flogose são sinonímias, contudo originárias do latim e do grego, respectivamente. Flogose do grego phleg ou phologos significa queimar e phox, chama. Já o termo inflamação, do latim inflamatio equivale a incendiar, por extensão de calor.
Embora os sinais de inflamação tenham sido descritos em um papiro egípcio (3000 a.C.), Celsus, escritor romano do primeiro século d.C., foi o primeiro a citar os quatro sinais cardinais de inflamação: rubor, tumor, calor e dor. Um quinto sinal clínico, perda da função (functio laesa), foi depois acrescentado por Virchow.
Após o repouso, principalmente à noite há uma piora da dor articular pela flogose, podendo até causar distúrbios no sono do indivíduo. Uma possível explicação para isso seria pelo acúmulo de líquido na articulação durante um período de repouso e por uma menor secreção de cortisol endógeno (inibe a fosfolipase A2 e, consequentemente, a inflamação) e uma maior secreção de prolactina (efeito pró-inflamatório) à noite.

Sinais cardinais ou flogísticos


Caso Clínico VII:

Anamnese
Identificação: MSS, 60 anos, feminino, branca, natural e residente de Curitiba-PR, casada, doméstica.
Queixa Principal: “Dor no dedo e nas juntas”
HMA: Paciente iniciou artralgias de forma generalizada e progressiva há 1 ano, principalmente em IFD, IFP, primeiras carpo metacarpianas do primeiro dedo das mãos e  joelhos de forma simétrica e aditiva. Relata que a dor é de moderada intensidade, de caráter surdo, sem irradiação e duração contínua. Apresenta piora a movimentação e alívio parcial ao repouso. Como sintoma associado relata rigidez matinal de 20 minutos. Nega sinais flogísticos nessas articulações, nódulos reumatoides, alterações cutâneas.
 Refere que há 3 dias apresenta dor acentuada no 3° dedo na IFD da mão direita, diferente das outras, de caráter latejante (sic), sem irradiação. Relata duração contínua e demonstra alívio a movimentação e piora noturna. Como sintomas associados apresenta rubor, calor e edema. Nega febre e infecções anteriores.
HMP: Nega cirurgias e internamentos anteriores. Hipertensa e diabética controlada, em uso de captopril, metformina e atorvastatina.
HMF: Pai faleceu aos 58 anos de AVE e mãe aos 70 anos de pneumonia. Relata que a mãe possuía nódulos em IFD semelhantes aos que apresenta.
CHV: Alimentação balanceada, negando ingesta de gorduras em excesso. Nega tabagismo e etilismo.

Exame Físico:
Geral: Paciente em BEG, LOTE, anictérica, hidratada e normocorada. PA: 130/80mmHg; pulso: 80 bpm; T: 36,5°C; FR: 16 rpm.
CPP: Expansibilidade torácica normal e MV+ bilateralmente e sem ruídos adventícios.
ACV: BCRNFSS.
Abdômen: flácido, globoso com RHA presentes. Som claro timpânico a percussão, espaço de Traube livre e hepatimetria 7 cm na linha HCD. Ausência de massas palpáveis e dor a palpação.
Músculo-esquelético: Mão com desvio lateral da falange distal do 2° dedo da mão direita, defeitos em flexão do 4° e 5° dedo da mão direita, mãos em quadrado.  Nódulos de Heberden em 2° e 4° dedo da mão direita e 3° e 4° da mão esquerda, Nódulos de Bouchard em 2°, 3° e 4° dedos da mão direita e no 3° da mão esquerda. Presença de nódulo com sinais flogísticos e doloroso na 3ª IFD da mão direita. Presença de crepitação a movimentação passiva dos dois joelhos. Sinal da tecla rotuliana e manobra de Finkelstein negativos.

Exames complementares:
Punção da 3ª IFD direita:
Líquido amarelo
Leucócitos: 20.000
Glicose: 95 (sanguínea de 102)
Viscosidade baixa
Exame Microscópico: grumos globulares semelhantes a moedas

Qual o provável diagnóstico geral?
Qual a principal hipótese para explicar a artrite do 3° dedo?
Qual o nome específico da alteração que leva a "mão em quadrado"?

Resposta ao Caso Clínico VII:

O diagnóstico geral da paciente é osteoartrite ou artrose, doença reumática mais comum, caracterizada por perda progressiva da cartilagem articular e alterações reativas às margens das articulações e do osso subcondral. Clinicamente, demonstrada por dor, deformidade, limitação do movimento e progressão lenta para a perda de função articular. A osteoartrite é considerada comumente como uma consequência inevitável do envelhecimento, uma manifestação do desgaste ou resultado de uma mecânica articular anormal.
No caso descrito, a paciente apresentava artrose de interfalangianas, base do polegar e de joelhos. O principal diagnóstico diferencial é com A.R., contudo a osteoartrite geralmente acomete IFD e poupa punhos, diferente da A.R. Além disso, nódulos de Heberden (IFD) e Bouchard (IFP) são característicos de artrose e não há sinais flogísticos.
A principal hipótese para a artrite do 3° dedo é deposição de cristais de hidroxiapatita (mineral encontrado nos ossos) ou pirofosfato de cálcio, secundária a artrose pelo estresse mecânico que culmina com a deposição desses cristais na articulação. Observa-se nesses casos, um nódulo quente com sinais inflamatórios bem evidentes como dor importante, vermelhidão e edema. O diagnóstico é sugerido por achados radiológicos de calcificação intra e/ou periarticular, com ou sem erosões, associados e achados de osteoartrite. O líquido sinovial é, nos casos agudos, de característica inflamatória, ou seja, com viscosidade baixa e leucócitos entre 2000-50000. Os cristais de hidroxiapatita podem surgir como agrupamentos ou parecerem moedas brilhantes no interior das células, mas não apresentam birrefringência ao microscópio de luz polarizada. Entretanto, a identificação completa só pode ser feita por ME ou através de difração por RX. O tratamento é feito com AINES e a condição geralmente é auto-limitada. É importante diferenciar com gota, já que a paciente era hipertensa e diabética.

Por fim, a rizartrose (osteoartrite da 1ª trapezo-metacarpiana ou base do polegar) leva a mão em quadrado. 

José Vitor Martins Lago
12/05/13


Curiosidade:

Qual a origem da palavra reumatologia?
Os quatro humores 
Reumatologia deriva da palavra grega “rheuma”, que corresponde a fluxo na língua portuguesa. Logo é o estudo dos fluxos. Isso se deve a Claudius Galenus notório médico e filósofo. Naquele tempo, a palavra referia-se à Teoria dos Humores de Hipócrates (pai da medicina). Segundo essa teoria, saúde consiste no fluxo equilibrado de quatro humores: sangue (quente e úmido), fleuma (fria e úmida), bílis amarela (quente e seca) e bílis negra (fria e seca), que equivalem respectivamente ao coração, sistema respiratório, fígado e baço. Portanto, a doença ocorreria se houvesse um desequilíbrio desses humores.
Nos tempos modernos, o termo “rheuma” é primeiramente descrito por Guillaume de Baillou. Médico francês (1538-1616), Baillou usou “Rhumatismes” para descrever a febre reumática. Patologia que cursa com poliartrite migratória, ou seja, artrite que passa para uma nova articulação, desaparecendo na previamente acometida.
Portanto, é possível que Baillou tenha resgatado o termo grego “rheuma”, de forma a descrever a acepção de fluido (edema presente na articulação inflamada), quanto à explicação de fluxo/movimento (migração do sítio de inflamação). Como naquela época havia uma dificuldade para diferenciar as diversas patologias que cursavam com artrite migratória ou aditiva, o termo acabou sendo atribuído a todas elas.

Caso Clínico VI:

Anamnese:

Identificação: JSM, 23 anos, masculino, caucasiano, natural e residente de Curitiba-PR, solteiro, estudante.
Queixa Principal: “Dor nas costas”
HMA: Paciente afirma dor insidiosa há 5 meses em região lombar baixa bilateral com piora há 8 dias, quando 2 dias antes praticou musculação intensa. Refere que é uma dor de média intensidade, de caráter surdo, sem irradiação de duração constante. Relata piora da dor quando deita e leve melhora com exercícios e AINES. Como sintomas associados apresenta: dor e fotofobia com borramento visual em olho esquerdo, rigidez matinal de 45 minutos, distúrbios do sono, acordando várias vezes na noite. Nega lesões cutâneas, artrites, alterações intestinais, trauma.
HMP: Nega operações e internamentos anteriores. Há 2 anos foi diagnosticado com tendinite do tendão de Aquilez. Nega DM, HAS, reumatismos e infecções urinárias ou intestinais há menos de 2 meses. Não faz uso de medicamentos de uso contínuo, contudo utiliza AINES quando há lombalgia.
HMF: Mãe, 52 anos, saudável. Pai, 57 anos, com história de IAM. Tio materno apresenta psoríase.
CHV: Prática ciclismo de maneira regular 2x/semana. Nega tabagismo, etilismo e relações sexuais sem o uso de preservativo.

Exame Físico:

Geral: Paciente em BEG, LOTE, anictérico, hidratado e normocorado. Sem atitudes características. PA: 120-80 mmHg; pulso: 80 bpm; temperatura: 36,6°C; FR: 16 rpm.
C/P: Hiperemia em olho esquerdo, presença de flare no humor aquoso, reflexo fotorreagente lento (miose), diminuição da acuidade visual.
CPP: Expansibilidade torácica 86/88 diminuída. MV + bilateralmente sem ruídos adventícios.
ACV: BCRNFSS
Abdômen: globoso, flácido com RHA presentes. Som timpânico a percussão, espaço de Traube livre e hepatimetria normal. Ausência de massas ou dor a palpação.
Musculoesquelético: Ausência de sinais flogísticos em articulações e alterações posturais. Presença de sinal do arco com dor a palpação do tendão do supraespinhoso no lado direito. Manobra do tripé com dor na região glútea. Indice de Shober: 10/13,5 cm. Manobra de Lasègue e Spurling negativas.

Exames Complementares:

Fosfatase Alcalina: aumentada
FR e FAN: negativos
HLA B27: em processamento
Raio-x de sacroilíacas:



Qual o provável diagnóstico?

José Vitor Martins Lago



Resposta ao Caso Clínico VI:

        O diagnóstico é Espondilite Anquilosante uma espondiloartropatia soronegativa. Caracteriza-se por uma artropatia axial, crônica, com predominância masculina 3:1. Inicia-se entre a puberdade e os 35 anos de idade, com pico na segunda década.
        A maioria dos pacientes se queixa de dor lombar baixa, insidiosa, e na parte inferior das nádegas, não bem localizada, acompanhada caracteristicamente de rigidez matinal (>30 minutos) e que melhora após movimentação. É muito importante a diferenciação com dor do tipo mecânica, que piora com a movimentação e melhora ao descanso, diferente da inflamatória que piora ao descanso e melhora com exercício. Além disso, o paciente chega a acordar à noite, por causa da dor, ocasionando distúrbios do sono.
        Outros sintomas são artrite periférica de padrão oligoarticular e assimétrico com predominância dos membros inferiores ou articulaçõs próximas ao tronco (quadris e ombros). Entesopatias (entese é o local de inserção do tendão) são comuns, principalmente de tendão de Aquilez e fasciite plantar. Uveíte anterior aguda unilateral (padrão descrito na anamnese e no exame físico) ocorrem em ¼ dos pacientes e tem associação com HLA B27 positivo.
        Ao exame físico, observa-se, às vezes, hábito espondilítico (em esquiador), no qual o doente perde a lordose lombar e apresenta cifose torácica e pode flexionar os joelhos para compensar a contratura dos quadris. Manobra do Tripé (pede-se para paciente ficar em decúbito ventral e faz-se pressão contra o sacro, irradiando a dor para as nádegas) positiva pode sugerir sacroileíte. Índice de Shober e expansibilidade torácica geralmente estão diminuídos, em razão do espasmo muscular secundário à dor e a inflamação.
        Nos exames complementares, fosfatase alcalina e níveis de IgA podem relacionar-se com o grau de atividade da doença. FR e FAN são negativos. E sacroileíte costumar estar presente ao raio-x como no caso, sendo um grande fator diagnóstico. RM, TAC e cintilografia podem demonstrar alterações anos antes do raio-x. HLA B27 está frequentemente presente, mas não é indispensável.
        Não existe tratamento específico para EA, é importante ressaltar os exercícios físicos que possam manter a postura funcional. A maioria requer uso de AINES, o mais utilizado é a indometacina. Alguns estudos tem demonstrado bons resultados com sulfassalazina e metotrexate para artropatia periférica.    



05/05/13


Curiosidade:

Por que quando vamos à piscina/mar temos vontade de urinar?
Basicamente, a pressão hidrostática exercida pela água da piscina/mar aumenta o retorno venoso para o tórax. Isso pode ser explicado pela pressão maior nas regiões inferiores, pois a altura de líquido é maior e, consequentemente, há uma pressão maior (a densidade do líquido e a gravidade também são proporcionais à pressão, onde Ph= d.g.h). Logo, o sangue vai de uma região de maior para uma de menor pressão. Assim, o retorno venoso aumenta e há um aumento do DC.
Consequentemente a esse aumento, o organismo possui mecanismos de autorregulação de pressão arterial. Então, como os barorreceptores são sensibilizados pela distensão da parede vascular, há uma inibição do sistema renina-angiotensina-aldosterona e do ADH.  Também, em consequência, da distensão atrial direita há liberação de peptídeo natriurético atrial (PNA). A água fria exacerba a resposta. Portanto, todas essas inibições e a estimulação de produção de PNA levam ao aumento do débito urinário com natriurese e perda de potássio.
Portanto, quanto mais tempo ficarmos na piscina/mar e maior será a diurese.

Referência Bibliográfica:


        FINHOLDT, M. C., Análise da função autonômica sobre o sistema cardiovascular em humanos submetidos a mudança postural e imersão em água. 2007. 41 f. Dissertação (Mestrado em Patologia Clínica)- Universidade Federal do Triângulo Mineiro, 2007.

Caso Clínico V:

Anamnese:
Identificação: NDF, 20 anos, masculino, pardo, natural e residente de Curitiba-PR.
Queixa Principal: “Urina de cor escura”
HMA: Paciente iniciou há 15 dias quadro de hematúria de média intensidade, sem associação com dor em flancos, de duração constante sem fatores de alívio ou piora. Refere também oligúria, edema bilateral das pernas, cefaleia occipital bilateral de média intensidade e pulsátil com escotomas, astenia, dispneia com ortopneia e dispneia paroxística noturna. Nega disúria, noctúria, polaciúria, artrite, alterações cutâneas e febre.
HMP: Refere que tem traço falciforme desde a infância e há cinco anos apresentou quadro hematúria macroscópica atribuída a esse diagnóstico. Nega operações. Relata que há 30 dias teve um quadro gripal (sic) com febre, mialgias, dor em orofaringe medicado com penicilina benzatina IM e diclofenaco sódico por 5 dias. Nega HAS, DM e doenças reumáticas. Não faz uso de medicamentos contínuos.  
HMF: Mãe, 42 anos, hepatite C crônica. Irmã 22 anos, HIV + em uso de antirretroviral. Não conhece o pai.
CHV: Nega tabagismo, etilismo e uso de drogas. Não apresenta comportamento sexual de risco.
RS: sp.
  
Exame Físico:
Geral: BEG, LOTE, hipocorado +/4+, hidratado, anictérico sem fascies características. PA: 180/110; FC: 80 bpm; temperatura: 37°C; FR: 30 rpm.
C/P: Orofaringe com leve hiperemia, sem focos purulentos. Ausência de linfonodomegalia e estase jugular.
CPP: MV reduzido em base direita, ausência de ruídos adventícios.
ACV: BRNF com sopro holossistólico em regurgitação em foco mitral.
Abdômen: flácido, globoso, RHA presentes. Som timpânico a percussão. Hepatimetria de 6 cm em LHCD, espaço de Traube livre. Ausência de massas ou dor à palpação.
Vascular periférico: Edema +++/4+ de MMII com cacifo e sem alteração da pigmentação.
Exames Complementares:
Exames de sangue: Hb: 10,5g/dL; leucócitos: 7800; plaquetas 200.000; reticulócitos: 1,6%; esquizócitos ausentes; DHL, TGO,TGP, gama-GT, glicose normais. Albumina: 2,5; gama-globulina: 2,0 g/dL – ausência de paraproteínas; C3 diminuído e C4 normal; FAN, anti-DNA , crioglobulinas, ANCA, FR, todos negativos ou normais; ASLO 500 U (VR: < 200); sorologias para HBV, HCV, HIV negativas.
Urinálise: densidade urinária 1018;  pH 6,0;  proteínas > 1g/L; leucócitos 10/campo, eritrócitos > 100/campo, com dismofismo moderado (cilindros hemáticos); proteinúria de 24 horas: 11,0 g; creatinina 8,0 mg/dL; uréia 280 mg/dL; Na 136; K 5,4; Ca 8,6 mg/dL; P 4,2 mg/dL; HCO3 15,0 mEq/L.
RX de tórax: derrame pleural moderado à direita, área cardíaca normal.
Biópsia Renal: Glomerulonefrite Proliferativa Endocapilar Difusa, com crescentes (6/14).
Imunofluorescência: Fragmento renal representado pela cortical com nove glomérulos. Depósitos granulares de fator C3 do complemento sobre mesângio e alças capilares, com distribuição difusa.
Qual diagnóstico sindrômico?
Qual provável diagnóstico?


José Vitor Martins Lago



Resposta ao Caso Clínico V:

         Paciente jovem que apresentou quadro de instalação rápida com oligúria (<400 mL/dia), edema, hipertensão (explicando a cefaleia com escotomas), hematúria, perda de função renal e proteinúria nefrótica (>3,5), acompanhada de hipoalbuminemia. Na história mórbida pregressa apresenta história de IVAS, provavelmente amigdalite, traço falciforme com história de hematúria.
          A partir disso, paciente apresenta uma síndrome nefrítica, com componente nefrótico muito importante. Dentre as doenças associadas ao aparecimento desta síndrome destacam-se a glomerulopatia pós-infecciosa, a endocardite infecciosa, a nefropatia da IgA e o lúpus eritematoso sistêmico.
          Para elucidação diagnóstico, os exames complementares ajudaram, mostrando ASLO aumentada, FAN e anti-DNA negativos e C3 consumido. Isso afasta nefropatia por IgA, que não cursa com consumo de complemento e LES com FAN negativo. Contudo, favorecem a hipótese de glomerulonefrite pós-infecciosa pelo ASLO aumentado e pela história de amigdalite.
Quanto ao antecedente de hematúria macroscópica, esta pode ser decorrente do traço falciforme; 3-4% desses indivíduos apresentam, em algum momento, hematúria com estas características. De um modo geral, este evento ocorre por falcização na vasa recta, secundária a situações que se apresentam com pressão de O2 diminuída, pequenos traumas locais, necrose medular/papilar e eventual evolução com fibrose intersticial. O uso de AINH facilita esse fenômeno, que não nos pareceu estar relacionado com o quadro atual do paciente.
O diagnóstico histopatológico confirmou, nesta situação, a hipótese clínica de GN pós-estreptocócica (GNDA). A idade do paciente chama a atenção, uma vez que o mesmo se situa fora da faixa etária de maior incidência da GNDA (2 a 6 anos) e, ainda assim apresentou uma história muito característica. A patogênese da GNDA é representada por uma reação inflamatória dos glomérulos renais em resposta à infecção por cepas nefritogênicas de estreptococos beta-hemolíticos do grupo A de Lancefield. O período de latência entre a infecção e o aparecimento das lesões corresponde ao período de formação e posterior deposição dos imunocomplexos nos glomérulos.
Outros fatos bastante marcantes eram a gravidade do quadro: o paciente evoluiu rapidamente para insuficiência renal dialítica e ICC (síndrome cardiorrenal), com complicações decorrentes de hipervolemia (edema agudo de pulmão/emergência hipertensiva). 



28/04/13


Curiosidade:

Qual a importância da dosagem da creatinina e da ureia? Por que calcular clearence de creatinina se existem valores de referência específicos para creatinina sérica?
Quanto será a creatinina do rapaz?
     
A creatinina e ureia são duas substâncias utilizadas para uma visão geral da função renal. A creatinina é um produto do metabolismo da creatina e fosfocreatina muscular. Tal substância é exclusivamente filtrada pelo rim, já que não se liga a proteínas plasmáticas e não é reabsorvida e uma pequena taxa é secretada 15%, é um bom parâmetro para analisar função renal, pois a liberação de creatinina do músculo para o sangue é praticamente quase totalmente filtrada (85%). O valor normal de creatinina sérica para homem é de 0,8-1,3 mg/100 mL e na mulher de 0,6-1,0mg/100ml. A creatinina sérica pode estar elevada em estados de alta ingesta proteica, rabdomiólise e suplementação exógena de creatina (sendo útil outros parâmetro).
No entanto, com o desenvolvimento da insuficiência renal e a conseqüente elevação da concentração plasmática de creatinina, a fração secretada aumenta muito. Isto acarreta, na avaliação da taxa de filtração glomerular, um resultado superestimado.
Já a ureia é o produto final do metabolismo nitrogenado e a sua concentração plasmática depende de muitos fatores que afetam o metabolismo do nitrogênio como ingesta, catabolismo proteico, trauma, infecção e febre, absorção de sangue do TGI e DEEC. O valor normal gira em torno de 20-40mg/dL. Logo, ao contrário da creatinina, a concentração plasmática pode variar muito sem que haja alteração do clearence de ureia.
 A ureia é livremente filtrada no rim (aproximadamente 90%) e não é secretada. Contudo, é reabsorvida aproximadamente metade da filtração pelos túbulos renais. Quando a taxa urinária está baixa, a ureia acaba sendo mais reabsorvida nos túbulos distais junto à água pelo ADH (explicando ureia muito mais alta na DEEC que creatinina). Sabe-se, portanto, que a ureia subestima a filtração glomerular pela metade do filtrado ser reabsorvido.
Logo, a creatinina acaba sendo um valor muito mais fidedigno para triagem de doença renal e a ureia e a creatinina apresentam mais importância juntas, quando há um declínio da função renal. Alguns autores atribuem a média do clearence das duas substâncias para uma abordagem correta, pelo menos para uma creatinina plasmática acima de 4 mg/100Ml.
Então, afinal qual a importância do clearence de creatinina?  
A importância do cálculo do clearence reside no fato que a creatinina varia de acordo com a massa muscular. Por exemplo, um jovem masculino de 20 anos de 80 kg que vai à academia regularmente apresenta uma massa muscular muito maior que uma idosa de 80 anos de 55 kg. Portanto, apesar da creatinina dos dois serem iguais e dos dois estarem acima do limite superior da normalidade, o jovem teria um clearence de creatinina de 107mL/min e a idosa teria um clearence de 27 mL/min, caracterizando no primeiro uma função renal normal e na segunda sugerindo uma IR.
Atualmente, existem fórmulas de clearence de creatinina mais acuradas e complexas como MDRD e a CKD-EPI, disponíveis em aplicativos.

Referências Bibliográficas:
RIELLA, Miguel Carlos. Princípios de nefrologia e distúrbios hidroeletrolíticos. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2010. 1247 p.



Caso Clínico IV:

Anamnese:

Identificação: 38 anos, feminina, negra, solteira, doméstica.
Queixa Principal: “Inchaço e dor nas articulações”
HMA: Paciente iniciou quadro progressivo de edema generalizado há 2 meses. Relata que apresenta edema de MMII, ascite e edema de face com “olhos empapuçados”, principalmente quando acorda. Relata duração constante, com piora do edema de MMII no final do dia. Refere alguma melhora com a elevação dos membros inferiores. Como sintomas associados apresenta urina espumosa, dispneia sem ortopneia, ganho de peso (10kg).
Afirma também que iniciou há 6 meses artrite em joelho direito, tornozelo esquerdo, cotovelo esquerdo e punho direito de forma aditiva e assimétrica. Refere intensidade moderada, de caráter surdo associado calor e edema das mesmas. Refere duração contínua inclusive à noite ao repouso e rigidez matinal de 30 minutos. Apresentava alívio parcial com uso de ibuprofeno e dipirona. Nega nódulos reumatoides, convulsões, psicose, fotossensibilidade, alterações cutâneas, história de infecções, disfagia, alterações oculares e intestinais.
HMP: Nega operações e internamentos anteriores. Paciente nega HAS, DM, neoplasia, hepatites, alergia medicamentosa. Em uso de prednisona 40 mg/dia e furosemida 40mg/dia há 10 dias.
HMF: Mãe, avó e tios maternos tem diagnóstico de artrite reumatoide (acompanhados em outro serviço). Pai com HAS. Nega história de câncer na família.
CHV: Tabagista desde os 19 anos, 5 maços/ano.Consumo de álcool social 3 latas de cerveja quando há festa. Nega uso de drogas.
RS: sp.
Exame Físico:
Geral: BEG, LOTE, hipocorada ++/4+, anasarca +++/4+, anictérica, acianótica, afebril, eupneica, peso = 80,7kg; altura = 1,58m; FC = 68bpm; PA = 120x70mmHg; T: 36,5; FR: 30 rpm.
C/P: Ausência de linfonodomegalia e jugulares ingurgitadas.
CPP: MV+ bilateral, sem ruídos adventícios.
ACV: BRNF em 2T sem sopros.
Abdômen: globoso, distendido, com RHA+, som maciço a percussão, hepatimetria dificultada pela ascite e espaço de Traube livre. Ausência de visceromegalia, descompressão rápida e giordano negativos. Presença de macicez móvel e Piparote.
Vascular periférico: sem sinais de TVP, edema simétrico de MMII ++++/4+.

Exames Complementares:

Laboratoriais:
Uréia: 236 (VR: 40)
Creatinina: 3,7 (VR: 0,6-1)
Sódio: 128 (135-145)
Potássio: 6,5 (3,5-5,0)
Cálcio: 4,5 (8,3-10,6)
Fósforo: 5,1 (2,5-4,5)
Magnésio: 2,45 (1,3-2,7)
Hb/Ht: 8,5/25,2% (12-16,5/35-47%)
Leucócitos: 9210 (4000-11000)
Neutrófilos: 7200 (1800-8000)
Linfócitos: 1100 (1500-5000)
Plaquetas: 340000 (120000-400000)
LDH: 436 (100-190)
INR: 1,19
Reticulócitos: 0,41% (0,8-4,1%)
Albumina/glob: 2,0/3,7 (VR: 3,7-5,3/2,2-4,0)
pH/bicarbonato: 7,32/15,3 (7,35-7,45/21-28)
Colesterol total: 297 (<200)
LDL: 180
TG: 174
TGO/TGP: normais
C3: 85 (VR: 88 a 201 mg/dL)
C4: 13 (VR: 16 a 47 mg/dL)
CH100: 245U (VR: 170 a 330 U/mL)
FAN: 1/320
FR: reagente
Anti-DNA: Negativo
Crioglobulinas: Negativo
Urina tipo 1:
- ph 5,0 (5-5)
- densidade: 1015 (1012-1022)
- proteínas: > 1g/L
- leucócitos/campo: 15 (<5)
- hemáceas/campo: > 100 (<3-5)
- proteinúria de 24h: 3g volume total de 200 mL
Anti-HIV: não reagente
Hepatite B: Não reagente
Anti-HCV: Reagente
Exames de Imagem:



Ecocardiograma transtorácico: Aumento moderado de AE. Demais câmaras de tamanho normal. Desempenho sistólico biventricular preservado. Pericárdio sem derrame. Ausência de trombos cavitários ou vegetações endocárdicas. Valvas cardíacas com morfologia e dinâmicas normais.
USG Rins e Vias Urinárias: Rins tópicos, com dimensões normais e contornos regulares. Parênquima de espessura normal e ecogenicidade preservada, com boa diferenciação corticomedular.
                
         Quais as principais hipóteses diagnósticas?
               
         Qual o próximo passo para selar o diagnóstico?

Referência Bibliográfica:                                           
Lo, S.C, Coelho, J.P.R, Cardoso, E.S. Caso Clínico 102: Paciente com poliartrite inflamatória, FAN positivo, evolui com insuficiência renal de instalação recente e oligo-anúrica. Disponível em: http://www.sbn.org.br/index.php?casoClinico&tipo=1&caso=24. Acesso em: 27 de abril 2013.


José Vitor Martins Lago


Resposta ao Caso Clínico IV:

Trata-se de paciente do sexo feminino, de 38 anos, com hx familiar de artrite reumatóide e história clínica de LES > 4 CRITÉRIOS (poliartrite, FAN positivo, hematúria e proteinúria na urina e linfopenia discreta), com uso prévio de AINH, evoluindo com insuficiência renal aguda com quadro de síndrome predominantemente nefrótica (edema generalizado, ausência de proteinúria > 3,5g/dia, hipoalbuminemia e hipercolesterolemia) e menos acentuada nefrítica (hematúria, edema, proteinúria subnefrótica <3,5g/dia, oligúria e ausência de hipertensão arterial). Não se caracterizou nenhum evento infeccioso ou hemodinâmico.
Nos exames laboratoriais colhidos durante a evolução da paciente, observou-se sorologia positiva para hepatite C e FR positivo, além de anemia (provavelmente de doença crônica, com provas de hemólise negativas), hipoalbuminemia, hipercolesterolemia e proteinúria não nefrótica (3g/dia), porém em fase de oligoanúria (débito urinário de 200ml na época) e complemento no limite inferior da normalidade. Apresentou anti-DNA negativo apesar da suspeita de LES com atividade renal. Estava normotensa na entrada.
Hipóteses diagnósticas:
1- Nefropatia lúpica classe IV com crescentes:
O quadro clínico da glomerulonefrite proliferativa difusa se caracteriza por consumo de complemento e anti-DNA positivo, além de hipertensão, sedimento urinário ativo e redução da filtração glomerular. Trata-se de lesão de pior prognostico com necessidade de imunossupressão. O caso acima não se encaixa perfeitamente no quadro, pois não apresentava complemento muito consumido, anti DNA estava negativo e a paciente se mostrou normotensa.
2- Nefropatia lúpica classe V:
O quadro clínico da glomerulonefrite membranosa se caracteriza por síndrome nefrótica. Entretanto, na biópsia, cerca de 40% terão proteinúria subnefrótica e 20% terão proteinúria < 1g/24h. A atividade sorológica é menos intensa, e o quadro renal é mais brando que na classe IV. Os pacientes com nefropatia lúpica classe V têm maior predisposição para eventos trombóticos (albumina diminuída leva à diminuição do transporte de antitrombina III), incluindo trombose de veia renal e embolia pulmonar.
3- Nefrite intersticial aguda:
A causa etiológica principal de NIA são drogas, em especial AINH e antibióticos. No caso acima, a paciente fez uso de AINH previamente ao quadro que a levou a procurar este serviço médico. Não foi a principal hipótese diagnóstica, pois paciente não apresentou sintomas clássicos da doença após a exposição à droga, que são: febre, rash maculo-papular e eosinofilia. Normalmente não se configura hipertensão nem edema. Já as características renais da NIA são: perda da função renal súbita, associado à proteinúria <1g/24h, e sedimento urinário alterado (hematúria e piúria). Aproximadamente um terço dos pacientes com NIA necessitarão de diálise. A eficácia da corticoterapia ainda é controversa.
4- Glomerulonefrite por Crioglobulinas
Apesar da paciente apresentar quadro sugestivo de LES com acometimento renal, não é possível afastar GNMP ou mesangial por crioglobulinemia por hepatite C. A crioglobulinemia é classificada em tipo I a III. A tipo I é monoclonal e está relacionada a mieloma múltiplo e outras doenças linfoproliferativas. A tipo II e III, por outro lado, são policlonais. A tipo II, a qual se encaixaria melhor nesta paciente, está relacionado ao vírus da hepatite C e apresenta FR positivo. Já a tipo III também apresenta associação com o vírus da hepatite C, porém também pode estar associado a LES e artrite reumatoide, doença hepática crônica, infecções parasitárias e bacterianas, além de doenças linfoproliferativas. Há consumo de complemento, principalmente de C4.
5- Necrose tubular aguda:
A IRA na síndrome nefrótica pode ser causada pela proteinúria maciça e consequentemente queda importante da albumina sérica, levando a uma queda do volume circulatório efetivo e consequente colapso circulatório e IRA pré-renal. Outro mecanismo de IRA ocorre quando temos proteinúria importante; há produção de cilindros na luz do néfron distal, levando a oclusão da mesma, ou compressão extra-tubular por edema intersticial, levando a aumento da pressão intratubular proximal, e consequente queda da filtração glomerular. Demais mecanismos de injúria renal aguda (necrose tubular aguda): sepse, uso de contraste iodado, drogas nefrotóxicas (antibióticos) e AINH. Neste caso, a insuficiência renal aguda pode ter sido precipitada pela síndrome nefrótica causada por nefropatia lúpica (podocitopatia? Classe V?).
6- Podocitopatia Lúpica
Usualmente a Síndrome Nefrótica do LES é associada com depósitos imunes em paredes de capilares glomerulares, frequentemente acompanhada de proliferação endocapilar ou necrose. Porém, muitos casos de síndrome nefrótica em pacientes lúpicas têm sido descritos (2/130) na ausência desses achados. Na biópsia encontra-se apenas fusão podocitária (lesão mínima) ou glomeruloesclerose segmentar e focal. A lesão mínima caracteriza-se proteinúria maciça. Caracteristicamente, é de “alta seletividade”, e o paciente pede predominantemente proteína de baixo peso molecular, no caso albumina. O colesterol total, o LDH e o TG estão elevados. Hiponatremia é, em geral, falsa, decorrente de hiperlipidemia. O VHS está aumentado. Responde bem a terapia com corticoide.
Diagnóstico Final:
Lesão Histológica mínima (podocitopatia do LES)
Necrose Tubular moderada


14/04/13


Curiosidade:

Síndrome de Reiter e Granulomatose de Wegener

           Na Medicina, há um grande número de atribuições a nomes de doenças a médicos que as descobriram, os epônimos.
Hans Reiter
Contudo, alguns desses epônimos podem ser embaraçosos, quando se pesquisa o passado negativo de alguns desses médicos, como Síndrome de Reiter e Granulomatose de Wegener.
No caso de Reiter, é descrita uma patologia que se inicia 2-4 semanas após uma infecção intestinal ou uma exposição sexual que tem como tríade clássica: uretrite, conjuntivite ou uveíte anterior e artrite.
Reiter era um médico alemão que descreveu este conjunto de sintomas em um hospital militar em 1916. Esta nomina começou a ser utilizada no começo da década de 1940 pela literatura inglesa. Naquela altura, Reiter já havia tornado-se um adepto de Hitler. Recentemente, detalhes da carreira de Hans Conrad Reiter deixaram bem claro que ele esteve intensamente envolvido nas atrocidades nazistas, em uma dimensão bem maior do que se imaginava.
Outro caso interessante é o de vasculite de médios e pequenos vasos com acometimento do trato respiratório superior (seios da face) e inferior (pulmões) e dos rins, identificada como sendo um tipo específico de inflamação conhecida como Granulomatose de Wegener. A identificação desta enfermidade foi feita, em 1937, por um patologista de Berlim, Friedrich Wegener.
Após o término da 2ª Guerra, Wegener foi preso pelos aliados, pois havia suspeitas de sua participação e colaboração na medicina nazista. Mas, foi logo libertado, pois os aliados não encontram provas evidentes de sua participação em práticas médicas criminosas.
Friedrich Wegener
Recentemente, foi descoberto que ao contrário de outros colegas médicos que tiveram que se filiar ao Partido Nacional Socialistas (NSDAP) para poder continuar exercendo a Medicina, Wegener o fez de livre vontade.
O patologista subiu rapidamente na hierarquia nazista, chegando a uma patente militar relativamente alta. Após a Alemanha ter invadido a Polônia, em 1939, ele foi promovido à patologista do exército, baseado em Lodz, nesse país, passando boa parte da guerra em um consultório a três quarteirões do gueto judaico nessa cidade polonesa, onde os nazistas trancafiaram mais de 250.000 judeus.

Então, alguns sugerem que Síndrome de Reiter passe a ser denominada como Artrite Reativa e a Granulomatose de Wegener seja chamada de Vasculite Granulomatosa associada ao ANCA (teste laboratorial de natureza diagnóstica).

Referências Bibliográficas:

SCHEINBERG, M.A. Medicina: Passado nazista altera nome de uma doença. Morasha, n.75, 2012. Disponível em: http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=939&p=1



Caso Clínico III:

Anamnese:

          Identificação: TFE, 56 anos, feminino, caucasiana, natural e residente de Curitiba-PR, aposentada, ex-doméstica.
Queixa Principal: “Dor nas juntas”.
HMA: Paciente iniciou artralgia generalizada há 1 ano. Refere que o padrão de acometimento é em todo o corpo, sem localização específica e sem poupar coluna e IFD. Relata que é uma dor de média intensidade, de caráter surdo e sem irradiação. Afirma que é de duração contínua com dor noturna e com rigidez matinal de 45 minutos aproximadamente. Afirma certa melhora com a movimentação. Como sintomas associados há mialgia, fadiga. Nega úlceras orais, fotossensibilidade, alterações intestinais e oculares, xerostomia, urina espumosa, sangramentos, contudo refere exame de sangue há 1 mês com trombocitopenia.
HMP: Na infância refere 3 episódios de convulsões não tratadas com medicamentos sem recorrência posteriormente. Relata que há 10 anos ficou internada por derrame pleural, sem saber a causa. Nega outras doenças como HAS, DM e operações. Em uso de meloxicam 15mg, prescrito pelo médico do posto. Afirma que tem 3 filhos, sem história de aborto.
HMF: Nega história reumática na família. Pai morreu aos 58 anos de IAM e mãe aos 66 de CA de mama.
CHV: Nega tabagismo e etilismo.

Exame Físico: 

Geral: Paciente em BEG, LOTE, anictérica, hidratada, normocorada. PA: 120-80mmHg; pulso: 80bpm; temperatura: 36,5°C e FR: 18 rpm.
Pele: sp
C/P: Ausência de rash malar e linfonodomegalia.
CPP: MV + bilateralmente, sem ruídos adventícios.
ACV: BCRNFSS
Abdômen: Globoso, flácido com RHA normais. Som timpânico a percussão, hepatimetria de 8 cm em linha HCD, espaço de Traube livre. Palpação indolor e sem massas.
Vascular periférico: Ausência de edema.
Músculo esquelético: Ausência de deformidades. Dor a palpação do joelho esquerdo e tornozelo direito com presença de sinais flogísticos em ambos. Sinais de Phalen, Tinnel, Lasègue, Spurling negativos. Ausência de cisto de Baker. Teste de Shober: 10/15.

Exames Complementares:

Hemograma: Hb: 13,6 g/dL (12-15,5)
Hematócrito 40,8 (35-45)
Leucócitos: 7.200/mm³ (4000-11000)
Plaquetas: 90.000 mil/mm³
VHS - 103mm (valor de referência: 0 a 20mm)
PCR – 5,2 mg/L (valor de referência: até 5mg/L)
Creatinina: 0,9 mg/Dl
TGO e TGP: normais


Qual provável diagnóstico?
Há possibilidade de fechar diagnóstico sem outros exames?


Resposta ao Caso Clínico III:

O provável diagnóstico é Lupus Eritematoso Sistêmico. Doença de etiologia desconhecida, na qual células e tecidos são danificados por auto-anticorpos patogênicos e complexos antígeno-anticorpos. Embora ambos os sexos possam ser acometidos, é predominante em mulheres (9:1) em idade reprodutiva.
Para diagnóstico de LES, utiliza-se alguns critérios (4 ou mais) do Colégio Americano de Reumatologia 1982:
1- Rash Malar: Eritema fixo plano ou elevado sobre as regiões malares e dorso do nariz, tendendo a economizar dobras nasolabiais.
2- Rash Discoide: Placas eritematosas com escamação aderente,comprometimento dos pelos e cicatrização com atrofia.
3- Fotossensibilidade: Rash cutânea que aparece após exposição à luz solar. Contado pelo paciente ou observado pelo médico.
4- Úlceras orais: Ulceração de nasofaringe ou boca vista por médico.
5- Artrite: Não erosiva comprometendo duas ou mais articulações periféricas.
6- Serosite: PLEURITE- hx bem típica ou atrito pleural escutado pelo médico ou evidências de derrame pleural; PERICARDITE- documentada pelo ECG, atrito ou evidência de coleção líquida.
7- Desordem renal: PROTEINÚRIA persistente na urina maior do que 500mg por dia ou +++ em exame comum; CILINDROS CELULARES- hemáceas granulosas, tubulares ou mistas.
8- Desordem neurológica: CONVULSÕES – na ausência de outras causas; PSICOSE – na ausência de outras causas
9- Desordens hematológicas: ANEMIA HEMOLÍTICA- com reticulocitose, LEUCOPENIA- menos de 4000 leucócitos/mm3 em 2 ou mais ocasiões, LINFOPENIA- menos de 1500 linfócitos/mm3 em 2 ou mais ocasiões, TROMBOCITOPENIA- menos de 100.000 plaquetas/mm3 na ausência de outra causa.
10- Desordens imunológicas: Anti-DNA positivo ou anti-Sm positivo ou PRESENÇA DE ANTICORPOS ANTIFOSFOLIPÍDEOS (anticorpos anticardiolipina, lúpus anticoagulante) ou falso teste positivo para lues (VDRL) por mais de 6 meses com FTA-ABS normal.
11- FAN positivo: Na ausência de uso das drogas que podem induzir lúpus.

No caso anterior, a paciente apresentava:
1-Artrite em duas articulações com sinais flogísticos
2- Trombocitopenia < 100.000
3- Hx de convulsão na infância sem causa.
4- Derrame pleural há 10 anos.
Logo, há como fechar o diagnóstico, haja vista que há 4 critérios presentes. É importante ressaltar a idade da paciente que apesar de ser da meia idade, provavelmente o LES já vinha desenvolvendo desde cedo pela história de convulsões. Além disso, trabalhar bem os critérios na HMA e HMP. Por exemplo, na HMA: urina espumosa, sangramentos, infecções e a tríade da anemia hemolítica (icterícia, esplenomegalia e anemia). Na HMP sempre se atentar também a possíveis internamentos anteriores e causas, como no caso, de derrame pleural e convulsões. Na história obstétrica, sempre perguntar sobre filhos e se houve abortos, pensando em síndrome do anticorpo antifosfolipideos (trombose nos vasos da placenta).


José Vitor Martins Lago


07/04/13


Curiosidade:

“Pequeno Baco Doente” é um auto-retrato de Michelangelo Merisi Caravaggio, realizado em 1594, após adoecer em Roma dois anos antes.
O que percebe-se no quadro de Baco (isto é, Caravaggio) é a icterícia, como pode ser visto a partir dos tons de pele, que correspondem aos dos pêssegos na mesa a sua frente.



Pequeno Baco Doente (Bacchino Malato)
Em 1956, totalmente curado, o artista retratou-se em "Jovem Baco". Percebe-se, nesse quadro, a coloração normal da pele e até mesmo da esclera, primeiro local acometido pela icterícia, branca.


Jovem Baco (1596)



Baco, Deus Romano, corresponde a Dionísio na Mitologia Grega. Conhecido como Deus do vinho, da ebridade e dos excessos, especialmente sexuais.
Então, por que Caravaggio, durante a síndrome ictérica, teria escolhido Baco como auto-retrato?
Não se sabe ao certo o que ele queria expressar com a obra, contudo há duas possíveis vertentes.
Caravaggio era considerado um “farrista” inconsequente e um grande apreciador de bebidas alcoólicas. Sempre estava envolvido em brigas, as quais procurava nos “pulgueiros” da cidade.
Além disso, o pintor inspirava-se em pessoas excluídas da sociedade como moradores de rua, prostitutas e alcoólatras crônicos. Portanto, o italiano já teria presenciado várias mortes de pessoas ictéricas com doenças hepáticas.
Contudo, segundo uma publicação na revista Clinical Infectious Diseases, a icterícia teria sido causada pela malária, umas das diversas causas de anemia hemolítica.
Em outra publicação, Aronson e Ramachandran atribuem a provável causa da icterícia à hepatite infecciosa, consequente a uma zoonose, como brucelose ou febre Q (Coxiella burnetti).
Analisando a característica do amarelo do quadro, parece mesmo uma icterícia pré-hepática, sugerindo malária. Isso pelo amarelo-palha apresentado e não um amarelo alaranjado sugestivo de uma causa hepática.  

Referências Bibliográficas:

ARONSON, J. K.; RAMACHANDRAN, M. The diagnosis of art: Caravaggio’s jaundiced Bacchus. Journal of the Royal Society of Medicine, v. 100, n. 9, p. 429-430, 2007. Disponível em: <http://www.jrsm.org/cgi/doi/10.1258/jrsm.100.9.429>. .
BOUCHER, H. W.; TALBOT, G. H.; BRADLEY, J. S. et al. Clinical Infectious Diseases. Clinical Infectious Diseases, v. 48, n. 1, p. 56, 2009.
VIANA, R.C. Arte Médica: Icterícia em Obra de Caravaggio. Disponível em: http://medicineisart.blogspot.com.br/. Acesso em: 06 de abril 2013.



 Caso Clínico II:

 Anamnese:

Identificação: FG, 21 anos, masculino, estudante.
QP: “Diarréia há bastante tempo”
HMA: Paciente refere diarreia crônica há 6 anos. Refere que há dois meses, houve intensificação dos sintomas com aparecimento de diarreia-sanguinolenta, 8 vezes ao dia em pouca quantidade, de característica pastosa/líquida e com odor pútrido. Afirma que é constante durante todo o dia e nega alívio ou piora. Como sintomas associados refere dor abdominal em epigástrio e flanco esquerdo, ambas em cólica, a primeira com piora após a alimentação. Além disso: emagrecimento sem anorexia (10kg/2meses), febre sem calafrios, icterícia, colúria, prurido e hipocolia. Nega artralgia, palpitações, agitação, poliúria, polidipsia e alterações de pele.
HMP: Nega operações e internamentos anteriores. Nega DM, HAS e hipertireoidismo e uso de medicamentos.
HMF: Pai, mãe e irmãos vivos, sem quadro semelhante ou outras doenças.
CHV: Mora em casa de alvenaria com saneamento básico. Alimentação saudável, com higiene adequada. Nega tabagismo e etilismo, mesmo aos finais de semana. Ausência de viagens pregressas ou prevalência de diarreia na região onde mora.
RS: sp.

Exame Físico:

Geral: Paciente emagrecido, REG, LOTE, acianótico, ictérico (++/4+), desidratado (++/4+), hipocorado (+++/4+). PA : 110-80 mmHg; pulso: 116 bpm; T: 37,8°C; FR: 20 rpm.
C/P: Ausência de linfonodomegalia.
Pele: sp
CPP: MV + bilateralmente com estertores crepitantes em bases.
ACV: BCRNFSS
Abdômen: Globoso, distentido, RHA aumentados, timpanismo a percussão de abdômen, hepatimetria de 11 cm em LHD, espaço de Traube livre, com dor a palpação em QSD e FE sem massas palpáveis. Sinal de Murphy negativo, sem sinais de irritação peritoneal. Presença de macicez móvel e em flancos.    
Vascular Periférico: edema pré-tibial, maleolar bilateral e sacral.

Exames Complementares:

Colonoscopia: evidenciando processo inflamatório grave contínuo com úlceras superficiais, áreas recobertas por muco e pus, presença de edema, friabilidade e sangramento.
Exame de Urina: presença de bilirrubina, sangue e Hb (3+), e piócitos 10 por campo (normal 5 por campo)
Raio-x de abdômen: distensão e edema de alças intestinais, principalmente em cólon transverso.
US abdominal total: lesão expansiva heterogênea em lobo hepático esquerdo (segmentos I,II,III), ascite volumosa e espessamento da parede da vesícula biliar
TC de abdômen: massa expansiva hepática e cólon bastante distendido.

Qual provável diagnóstico?
O que levou a formação dessa massa hepática?



Resposta ao Caso Clínico II:

O provável diagnóstico é colangite esclerosante primária com colangiocarcinom associado à retocolite ulcerativa.
A RCU uma doença inflamatória intestinal de causa é desconhecida, mas acredita-se que fatores genéticos, auto-imunes e ambientais sejam determinantes para seu aparecimento.
Manifestações extra-intestinais aparecem em mais da metade de pacientes com RCU. Dentre elas, as mais frequentes são as articulares, dermatológicas, hepato-biliares e as do trato urinário.
A colangite esclerosante primária (CEP) é uma doença colestática crônica e progressiva do fígado, caracterizada por inflamação, obliteração e fibrose da árvore biliar intra e extra-hepática. É rara na população em geral, mas é muito comumente associada à RCU, acometendo mais de 5% desses pacientes, de modo que a grande maioria dos pacientes com colangite esclerosante (mais de 90%), também apresenta DII, sendo mais comum na RCU que na doença de Crohn.
Os sintomas da doença variam desde sintomas inespecíficos de fadiga, astenia e perda de peso até quadro mais característico de colestase com icterícia, colúria, acolia fecal e/ou prurido. Um terço dos pacientes pode apresentar, inicialmente, episódios recorrentes de colangite aguda.
O colangiocarcinoma é também uma grave complicação da CE, com um risco de 10 a 15% para esses pacientes. Sua instalação inviabiliza o transplante hepático e piora bastante o prognóstico dos pacientes. A incidência de colangiocarcinoma na CE é muito alta, variando de 14-28% nas séries mais recentes.


Evolução:

O paciente apresentou um quadro de abdômen agudo, sendo realizada laparotomia exploradora de urgência (Figura 3), que evidenciou volumosa tumoração hepática, a qual foi biopsiada e enviada ao exame anatomopatológico, com confirmação de neoplasia maligna pouco diferenciada em fígado (Figura 4). Foi solicitado, ainda, estudo iminohistoquímico – imunocitoquímico com conclusão de colangiocarcinoma. Em função da gravidade o paciente foi a óbito no 170 DPO.



José Vitor Martins Lago

31/03/13


Curiosidade:

Você sabe qual a origem da palavra “Diabetes”?

Denominada por Arateus da Capadócia no século II d.C., diabetes origina-se do grego e significa sifão, visto que, segundo algumas observações, o líquido não permanecia no corpo. Outra possível interpretação etimológica para a palavra, derivada do verbo diabano, que significa, “dia” (através) e “bano” (passar, caminhar).
Sifão
Logo, chega-se a conclusão que os dois significados etimológicos confluem para os sintomas apresentados nas doenças denominadas diabetes como a polidipsia e a, principalmente, a poliúria.
Em 1670, Willis redescobriu o sabor adocicado da urina, antes percebido pelos hindus, o que permitiu distinguir, posteriormente, dois tipos de diabetes: mellitus (sabor de mel) e insipidus (sem gosto).

Referência Bibliográfica:

REZENDE, J. M. Linguagem Médica: Diabetes. Disponível em: http://usuarios.cultura.com.br/jmrezende/diabetes.htm. Acesso em: 30 de março 2013.

Caso Clínico I:

Identificação: JMS, 76 anos, branco.
Queixa Principal: “Dor no abdômen e fezes escurecidas”
HMA: Paciente apresenta há 5 dias dor insidiosa em região de hipocôndrio direito, de moderada intensidade, em torção, sem irradiação, de duração constante com piora depois da alimentação. Relata também icterícia fugaz, anorexia e emagrecimento de 4 kg em um ano.
Refere também melena há 5 dias com 3-5 episódios ao dia, em pequena quantidade e de odor fétido, sem relação com a alimentação e sem fator de melhora. Nega hematêmese, hematoquezia, vômitos, dispepsia e edema.
HMP: Refere nefrectomia direita, devido a câncer renal, colectomia com anastomose íleo-anal por retocolite ulcerativa e câncer de próstata tratado com radioterapia. Há dois meses, apresentou icterícia obstrutiva indolor. Ao exame de imagem, demonstrou obstrução na confluência dos ductos hepáticos, uma pedra na vesícula biliar e um tecido mole de baixa densidade de 3,5 cm adjacente ao processo uncionado do pâncreas. Então, foi submetido à colocação de stents metálicos transhepáticos em ambos os ductos hepáticos com melhora da icterícia posteriormente a cirurgia. Nega uso de AINES.
HMF: Nega histórico de doenças hepáticas.
CHV: Nega tabagismo e etilismo.
RS: sp.

Exame Físico:

Geral: Paciente REG, emagrecido, LOTE, com mucosas hipocaradas (+++/4+), ictérico (++/4+), desidratação moderada, PA sentado: 120/80 PA em pé: 100-70, T: 36,4°C, FR: 20 rpm e pulso de 108 bpm (taquicardia postural).
Cabeça e Pescoço: Ausência de linfonodomegalia, vasos sublinguais secos.
CPP: MV + bilateralmente, sem ruídos adventícios.
ACV: BCRNFSS
Abdômen: Globoso, flácido, RHA aumentados, timpanismo a percussão de abdômen, hepatimetria de 8 cm em LHD, espaço de Traube livre, com dor a palpação de QSD sem massas palpáveis. Sinal de Murphy negativo, sem sinais de irritação peritoneal.

 Exames Complementares:

Hemoglobina de 5.3 g/dL (VCM, HCM e CHCM diminuídos).
Bilirrubinas totais 2,1 mg/dL (0,2-1,2) com predomínio de BD, fosfatase alcalina 714 μ/L (65-300), ALT 112 μ/L (até 41), AST 86 μ/L (até 38),
Albumina 2.3 g/dL (3,5-4,8)
Provas de coagulação normais
EDA: volumoso sangramento proveniente da 2ª porção duodenal, mais especificamente da papila de Vater.

Figure 1. Esophagrogastroduodenoscopy showing: A. Fresh and clotted blood in the fundus of the stomach. B. Clotted blood over the angularis. C. Clotted blood mixed with bile in the antrum of the stomach. D. Bulb of the duodenum showing blood mixed with bile coming from second part of the duodenum. (Khan, 2010).

        Qual o provável diagnóstico sindrômico específico da HDA?
        Qual seria o próximo exame a ser realizado para saber o diagnóstico etiológico e possível tratamento? 

Resposta ao Caso Clínico I:

O provável diagnóstico sindrômico específico é hemobilia, uma causa incomum de hemorragia digestiva alta.


O paciente apresenta a tríade clássica de hemobilia ou de Sandblom ou Quinke: hematêmese (60%) e/ou melena (90%), cólica biliar (70%) e icterícia obstrutiva (60%). Somente 22% dos pacientes apresentam todos esses sintomas. A hemobilia pode ser indolor e deve ser considerada em pacientes com sangramento do TGI e com icterícia. Esta pode ser causada por lesão obstrutiva biliar ou por um coágulo de sangue. O coágulo é formado, porque a bile e o sangue não se misturam. Posteriormente pode passar com a bile (icterícia fugaz) ou causar icterícia obstrutiva.

Depois de realizado a EDA e observado o sangramento pela âmpola de Vater, o exame padrão ouro para o diagnóstico etiológico é angiografia abdominal com 90% de chance de localizar o sítio de sangramento e o tratamento com embolização.

Evolução Clínica:
 

Paciente evoluiu para hematoquezia franca e foi submetido à uma angiografia abdominal de emergência, onde foi encontrado um pseudoaneurisma na artéria hepática direita, adjacente ao stent metálico previamente colocado. A hemostasia foi alcançada com a embolização da erosão arterial. O paciente evoluiu com colangite tratada com antibiótiocos. A icterícia obstrutiva foi gradualmente melhorando e o paciente recebeu alta. Algumas semanas depois foi readmitido com recorrência da hemobilia e recusou-se a angiografia e evoluiu à óbito pela intratável hemorragia.

Referência Bibliográfica:

KHAN, R. ET AL. Bleeding Bile ( Hemobilia ): An Obscure Cause of Upper Gastrointestinal Bleeding : Case Report and Review. Practical Gastroenterology, n. January 2010, p. 36-42, 2010. 





José Vitor Martins Lago


11 comentários:

  1. um sangramento digestivo alto, provavelmente em decorrência de algum proplema pancreático ou do própro ducto de wirsung. talvez "hemosuccus pancreaticus" ?

    pediria uma ultrassonografia ou TAC e um estudo angiográfico (no caso de hemosuccus pancreaticus)

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  2. Ótima suspeita diagnóstica, contudo talvez o sangramento não seja proveniente propriamente do ducto pancreático, a resposta talvez esteja na característica da dor que o paciente apresenta e o histórico do paciente.
    Contudo, o estudo angiográfico mataria a resposta.

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  3. eu pensei num tumor de pancreas. uma hipertensão no ductos causaria dor na vesícula quando ela tentasse contrair, o que ocorre na alimentação.
    ele relata historia de cancer renal, podendo ai ser uma metastase (até em figado, que é comum) ou uma lesão hepatica pela retocolite ulcerativa. talvez tambem uma hepatite. (apesar de ser BD aumentada)
    apresenta uma anemia provavelmente ferropriva, com um HB miserável.

    eu pediria uma angiotomografia contrastada de abdome acreditando que serviria para observar tanto um tumor pancreatico como lesões hepaticas.
    o ultrassom a priori poderia nao observar o retroperitonio, a angiografia da região veria um tumor e embolizaria o vaso, mas nao estadiaria a doença, entao precisariamos dos 2.
    muito legal o caso!

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  4. Boas hipóteses diagnósticas, contudo ainda não chegamos a resposta. Icterícia fugaz? Hx cirúrgica?

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  5. Síndrome de Zollinger Ellison - Gastrinoma, geralmente localizado próximo ao pâncreas, que além de poder obstruir os ductos biliares explicando a icterícia, aumenta a acidez gástrica, propiciando a formação de úlceras gástricas (não dói - come - dói) e consequentemente o sangramento alto que explicaria a melena. O exame mais adequado para o diagnóstico é a tomografia.

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  6. Hepatocarcinoma com obstrução das vias biliares. Ou outro tipo histológico de tumor fazendo o mesmo, a confirmação do tipo de tumor seria somente após exame AP de peça de biópsia ou punção. Uma ressonância mostrando se há aumento da vascularização do tecido anormal seria meu exame de escolha. Uma tomo contrastada, com o mesmo objetivo. Além dos laboratoriais que mostram lesão celular (transaminases) + das vias biliares (FA + GGT).
    No aguardo.
    Tks!

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  7. Boa hipótese, mas e o sangramento digestivo baixo? Transaminases aumentadas 3x, gama-GT e FA bem aumentadas também. Aguardando o resultado da Bx hepática.

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  8. VIII- maior reabsorção óssea pela diminuição de Ca sérico. anemia de doença cronica por IRC (diminuição de EPO).

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  9. O raciocínio está basicamente certo, mas a diminuição do Ca sérico decorre da IRC que leva a um declínio de Vitamina D ativada e, consequentemente, um hiperparatireoidismo secundário. Confira a resposta! Obrigado pela participação.

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