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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Propedêutica 1: Anamnese

CASO CLÍNICO

Identificação: M.P.Q. 22 anos, feminino, caucasiana, natural e residente de Colombo (região metropolitana de Curitiba), casada, cozinheira de cachorro quente.

Queixa principal: “Dor na dobradiça mestra de fianco”

HMA: ILICIDAS:
Paciente refere que há 4 dias iniciou com dor epigástrica de média intensidade, tipo "coisante", constante, sem alívio e com piora durante a alimentação. Relata que no momento foi medicada como com uma "grastite", sem melhora relevante. “Porcaria do médico não tratou direito”.
Há 2 dias atrás a dor passou a ser difusa de média intensidade, também tipo “coisante mais chata”, constante, sem alívio e com piora durante a alimentação. Relata náuseas sem vômitos. Relata que não retornou ao médico e automedicou-se com um comprimido desconhecido que a mãe toma para depressão e funciona. Sem melhora.
Agora apresenta, de início há 4 horas, “dor na dobradiça mestra de fianco” (apontando para FID, fossa ilíaca direita) de grande intensidade, tipo pontada, continua, sem alívio e com piora a compressão.
Alega anorexia (falta de vontade de comer). Ultima menstruação há 1 mês. Nega corrimentos, alterações e dificuldades para urinar e defecar.

HMP: DOIDAMT:
Nega hipertensão, diabetes, asma, alergias, doenças de qualquer tipo e de infancia e uso de medicações contínuas. Nega internamentos e cirurgias. Nega transfusões.

HMF:
Não conheceu o pai. A mãe é viva, tem 40 anos, usuária de drogas, uma vêz foi internada para uma cirurgia abdominal que não soube informar, mas diz que a mãe não tem nenhuma cicatriz. Tem 7 irmãos, 2 vivos e mais novos 20 e 19 anos, ambos homens e saudáveis.

CHV: MAFATES:
Mora em uma casa de alvenaria incompleta, com tijolos expostos, a região possuí rede de água e esgoto. Faz uso “social” de álcool, 1 lata de cerveja no fim do dia e ¼ de destilado em média no fim de semana. Nega fumo, mas pessoas fumam em casa. Nega uso de tóxicos. Alega ter em média 1 parceiro por mês, normalmente usa camisinha.
CAGE: pensou em cortar devido ao preço da bebida, nunca nenhum familiar aborreceu-se, não sente-se culpada, diz que bebe no café da manhã para “firmar a mão”.

PPS: FRETSPI:
Tem constantes brigas familiares principalmente com a mãe e irmão mais velho pelo uso de drogas em casa e nao ajudarem nas tarefas domésticas. Dorme de manhã, cuida da casa a tarde, trabalha com cachorro quente a noite. Não estuda, fundamental incompleto, situação financeira “difícil, mas vamo levando”, ama muito o irmão mais novo e morre de medo que ele tambem siga o exemplo em casa, orgulha-se de ele estar terminando o ensino médio e querer ser advogado. Entende sua doença como grave, pois nao consegue trabalhar hoje.

RS:
Não declara novas queixas.

Observações:
Este é um dos chamados pacientes difíceis. Nesses casos os pacientes nao conseguem esclarecer o que estão sentindo. É importante insistir utilizando perguntas mais fáceis. Perguntas com alternativas costumam ser úteis e sempre pressionando o paciente para que dê uma resposta mais firme.
Quando frente a uma historia complexa como esta, lembre-se sempre de organizar cronologicamente o início de cada um dos sintomas, caso contrario voce ficará totalmente perdido.

Em propedêutica vocês ainda não precisam fazer diagnósticos, mas este caso é interessante para demonstrar como deve seguir o raciocinio médico. É natural imaginar que o médico busca sinais e sintomas para gerar suas hipóteses diagnósticas, porem o google tambem o faz! Porque o google falha entao? E pior, como lidar frente a sintomas que as vezes estão presentes e as vezes não, ou pouco específicos que podem ser qualquer coisa? Porque um enfermeiro nao pode fazer diagnosticos?

O médico conhece os sinais e sintomas, mas isso nao é o suficiente. É necessario conhecer os sinais e sintomas que caracterizam CADA FASE do desenvolvimento natural de uma doença e as alterações que medicações causaram nesse curso. Esse conhecimento chama-se história natural da doença.
Neste caso temos uma dor que inicia-se no epigastrio, torna-se difusa e etão localiza-se no FID. Sem o conhecimento da HND fica dificil imaginar causas para dor em FID, causas para dor em epigastrio e difusas. Pode-se até imaginar tres patologias distintas para cada tipo de dor.
Lembrem-se o médico conhece as DOENÇAS portanto precisa conhecê-las em cada etapa, assim como os professores de anatomia nos faziam saber reconhecer o percurso dos nervos dos MMSS (membros superiores, repete a letra quando é plural) em cada parte do membro. Apenas uma parte nao bastava.

Outra coisa, JAMAIS esqueçam de cogitar a hipótese de gravidez em mulheres com idade fertil para qualquer patologia. Lembrem-se que existem medicações contra-indicadas na gravidez e patologias proprias da gestação. Neste caso não pode ser descartada, pois o período mais fértil da mulher encontra-se 15 dias (+3 e -3) antes da menstruação, abrindo aqui uma janela para uma possível gestação de duas semanas caso ela tenha ciclos de 28~30 dias.
Portanto ela pode ter menstruado ha 30 dias, ovulado novamente ha 15 dias e agora estar com uma gravidez de 15 dias... ou não, pode estar prestes a menstruar novamente.

Percebam que o colega interpretou o abdome agudo inicial como sendo uma gastrite. Como acadêmicos juramos que nunca deixaremos passar nada e somos rápidos a pensar em erros de colegas. Porem pode ter parecido mesmo uma gastrite e quem internaria uma paciente com gastrite para maiores investigações? Cuidado ao julgar condutas de colegas! O trabalho do ultimo médico é mais fácil, ja que ele pega a HND no final da evolução e tem todas as etapas para fazer seu diagnostico. Levem isso para a vida!

Pessoas em sofrimento frequentemente estão estressadas e podem, ofender-nos. Nessas horas são necessárias calma e compreensão. Muitos deles desculpam-se quando a dor passa. Levem isto também para a vida.

Frente a isso responda:

Qual a principal suspeita diagnóstica considerando problemas intestinais? Conhecer as 3 etapas aqui não é obrigação de voces, mas a ultima etapa é possível.

Qual a principal suspeita diagnóstica considerando problemas ginecológicos?
A paciente apresenta CAGE suspeito?

A paciente entende por "social" o uso de alcool que voce entende por "social"?

A paciente entende por "grave" a doença que tem pelo mesmo motivo que voce entende por "grave"?

A resposta as duas ultimas perguntas nos ensinam que devemos SEMPRE questionar significados subjetivos. Outra dica: Se o paciente deu risadinha, é porque nesse mato tem cachorro!

Nunca subestimem o tipo de difícil informante que podemos encontrar.

domingo, 25 de agosto de 2013

CASO CLÍNICO III - SEMIOLOGIA II
 
Anamnese

Identificação: Nome: JCM; Idade: 30 anos; Sexo: Feminino; Etnia: Caucasiano; Religião: Católica; Profissão: secretária; Estado civil: Casada; Naturalidade: Curitiba-PR; Residência: Bigorrilho – Curitiba; Referência: o próprio paciente.

 Queixa Principal: “Fraqueza”.

 História da Moléstia Atual: Paciente refere ter iniciado há 4 meses com astenia, com piora aos esforços e melhora em repouso, associada a perda de peso (perdeu 5kg em 4 meses - 55kg) e distensão abdominal. Nega febre, dispnéia ou outros sintomas associados.

 História Mórbida Pregressa: Nega doenças da infância. Apenas refere um déficit de estatura. Nega comorbidades, cirurgias/internamentos anteriores e alergia. Faz uso regular de escitalopram 15mg para ansiedade patológica e tratamento para infertilidade.

 História Mórbida Familiar: Refere o pai possui HAS e a mãe hipotireoidismo.

 Condições e Hábitos de Vida: nega tabagismo e etilismo.

 Perfil Psicosocial: Mora com o marido. Não pratica exercícios físicos regularmente, mas refere ter alimentação saudável.

 Revisão de Sistemas: Não há outras queixas pertinentes a outros sistemas.

 Exame físico:

Geral: paciente em regular estado geral, pálida, hidratada, LOTE.

PA: 110X80, Pulso: 78, FR: 18, T: 36,2C

Cabeça e pescoço: mucosas úmidas e hipocoradas. Sem linfonodomegalia. Jugulares não ingurgitadas. Glândula tireóide sem alterações.

Aparelho respiratório: paciente eupnéica, com som claro atimpânico a percussão, expansibilidade e FTV normais.

Aparelho cardiovascular: bulhas cardíacas rítmicas e normofonéticas. Sem sopros.

Abdome: globoso (distendido?), RHA aumentados, flácido, timpânico a percussão, dolorido a palpação difusa superficial e profunda, sem massas palpáveis.

Membros: ausência de edema, pulsos presentes, perfusão normal. Lesões vesiculares pruriginosas em joelhos e cotovelos.

 Pergunta:

1.   Quais os possíveis diagnósticos diferenciais diante deste quadro clínico?

2.   Qual exame complementar é "padrão-ouro" para confirmação deste diagnóstico?


Resposta:

1)   Diagnósticos diferenciais:

a.   Doença celíaca

b.   Doença de Crohn

c.    Super-crescimento Bactérico Intestinal

d.   Gastroenterite Eosinofílica

e.   Espru Tropical

f.     Linfoma do Intestino Delgado

g.   Intolerância à Lactose

h.   Síndrome de Zollinger-Ellison

2)    Exames complementares:

a.   Biópsia intestino delgado:
Imagem: scielo.com
a.   Outros exames:
Positividade para sorologia dos anticorpos antigliadina e antiendomísio, anti-transglutaminase tecidual.
Hemograma:
Hb: 10
Série branca e plaquetas normais
Eletrólitos: normais
TSH e T4 livre normais
 
 
DIAGNÓSTICO: DOENÇA CELÍACA
A doença celíaca é uma condição crônica que afeta a mucosa do intestino delgado proximal. Há um comprometimento difuso do epitélio de absorção, levando a má absorção dos nutrientes.
Sua etiopatogenia ainda não é totalmente conhecida, mas sabe-se que há uma predisposição genética que leva a uma reação inflamatória da mucosa intestinal a gliadina, componente do glúten (presente em cereais como o trigo, centeio e a cevada).
A sua apresentação clínica pode ser muito variada, ocorrendo o início dos sintomas em idades que variam desde o primeiro ano de vida até a oitava década. Pode apresentar-se da forma clássica, relacionada à má absorção dos nutrientes (diarréia, esteatorréia, perda de peso), de outras formas diversas (anemia, osteopenia, infertilidade, sintomas neurológicos, edema) ou assintomática. Muitos pacientes iniciam com os sintomas desde a infância, quando o glúten é introduzido na alimentação, podendo diminuir na adolescência e voltar a incomodar por volta da 3ª ou 4ª década. Em outros pacientes, os sintomas podem surgir apenas tardiamente, em qualquer idade.
Algumas doenças podem estar associadas à doença celíaca como a dermatite herpertiforme (lesões papulovesiculosas características que respondem a dapsona), diabetes melito tipo 1, deficiência de IgA, síndrome de Down, síndrome de Turner,
Exames complementares: testes sorológicos para anticorpos (antigliadina, antiendomísio, antitransglutaminase tecidual) e biópsia intestinal.  O diagnóstico se confirma a partir da biópsia anormal do intestino delgado (atrofia difusa e intensa das vilosidades intestinais, hiperplasia das criptas e invasão da lâmina própria por infiltrado inflamatório com predomínio de células mononucleares) e melhora das alterações e dos sintomas com a retirada do glúten da dieta.
É importante observar que uma há uma maior incidência de neoplasias tanto gastrintestinais quanto não gastrintestinais nos pacientes com doença celíaca. Portanto, lembrar-se da possibilidade de um linfoma associado quando um paciente deixa de responder a dieta isenta de glúten. Outras complicações desta doença incluem o surgimento de ulcerações intestinais.
Referências:
HARRISON, Tinsley Randolph; FAUCI, Anthony S. Harrison manual de medicina. 17. ed. Porto Alegre: AMGH Ed., 2011.
PORTO, Celmo Celeno; PORTO, Arnaldo Lemos. Semiologia médica. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2011.
WGO Practice Guidelines Doença Celíaca, 2005.
                                                       Dâmia Kuster Kaminski Arida
 

Semiologia I

CURIOSIDADE:

Qual é a alteração apresentada? Está relacionada com o quê?






A acanthosis nigricans (AN) é um termo utilizado para descrever zonas espessadas (acantose = hiperplasia do estrato espinhoso da epiderme) e hiperpigmentadas da pele, que afetam mais frequentemente áreas de flexuras (axilas, dobras cutâneas do pescoço e regiões inguinais e anogenitais). É um marcador cutâneo de afecções cutâneas e malignas associadas e, portanto, pode ser dividido em dois tipos. O tipo benigno, que constitui cerca de 80% de todos os casos, desenvolve-se de forma gradual, normalmente, acontece na infância ou puberdade. Pode ocorrer (1) como herança autossômica dominante, com penetrância variável, (2) em associação a obesidade ou a endocrinopatias (principalmente tumores hipofisários e diabetes tipo II) e (3) como parte de algumas síndromes genéticas raras (Síndrome de Bloom, Síndrome de Alstrom). Contudo, pode ser manifestação paraneoplásica, principalmente de adenocarcinomas de TGI, particularmente CA gástrico. É raro a apresentação em outros lugares do corpo, porém, quando atingem superfície palmar e plantar é típico de CA gástrico.
A distinção de AN paraneoplásica torna-se facilitada pela exuberância com que se manifesta, a extensão e a intensidade das lesões são maiores nesse subtipo, sendo o prurido, incomodativo, a principal queixa do paciente; é uma situação que é recorrente ao contrário das outra forma. As mucosas são mais afetadas nessa forma maligna. Pode associar-se ao Sinal de Leser-Trélat (verrugas seborreicas múltiplas, de aparecimento rápido e acompanhadas de prurido).
O mecanismo proposto para o aparecimento de AN é a excessiva estimulação de queratinócitos e fibroblastos cutâneos através da ativação de receptores de fatores de crescimento insulínico (IGF-1) existentes nessas células. Como a insulina e o IGF-1 apresentam estruturas homólogas, na presença de grandes concentrações de insulina existirá uma reação cruzada entre essa substância e os receptores de IGF-1, com hiperqueratose subsequente, explicando o aparecimento dessa patologia em estados hiperinsulinêmicos. O mesmo há com o aumento do GH, que estimula o IGF-1. Contudo, na síndrome paraneoplásica o mecanismo suposto é a produção de fatores de crescimento tumorais com capacidade de estimulação de IGF-1 como TGF alfa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ROSÁRIO, F.; CALDEIRA, J. Acanthosis Nigricans revisitada. Medicina Interna, v. 8, n. 4, p. 217-221, 2001.
ROBBINS, Stanley L.; COTRAN, Ramzi S.; KUMAR, Vinay; COLLINS,Tucker. Patologia: estrutural e funcional. 6. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2000.    

CASO CLÍNICO III:

ANAMNESE:

Identificação: 20 anos, masculino, caucasiano, natural e residente de Curitiba-PR, estudante.
QP: “Emagrecimento”
HMA: Paciente iniciou quadro de emagrecimento de 10 kg em um mês, de 66 kg para 56 kg, sem anorexia. Relata também há 1 mês quadro diarreico com 10 evacuações por dia, de odor rançoso, em moderada quantidade, de duração contínua surgindo igualmente tanto de dia quanto à noite, sem sangue, muco ou pus, mas com restos alimentares. Apresenta associado dor em cólica, difusa, principalmente em região periumbilical, intermitente sem alívio após evacuação. Nega puxo e tenesmo. Refere dores articulares bilateralmente em joelhos e tornozelos, sem sinais flogísticos, edema de MMII e distensão abdominal. Nega febre, uso anterior de antibióticos, úlceras orais, lesões de pele, alterações oculares e cutâneas, disúria, poliúria, polidipsia, agitação, sudorese, insônia, palpitações.
HMP: Nega operações, internamentos, uso de medicamentos e alergias. Nega DM, HAS e doenças auto-imunes.
HMF: Mãe viva, 48 anos, sem morbidades. Pai vivo, 52 anos, hipertenso. Irmãos são saudáveis.
CHV: Alimentação balanceada, ingere todos tipos de alimentos. Nega tabagismo, etilismo ou tóxicos. Nega viagens anteriores ao quadro e conhecidos com sintomatologia semelhante.
RS: sp.

EXAME FÍSICO:

Geral: Paciente emagrecido, LOTE, anictérico, desidratado (+/4+), hipocorado (+/4+). PA: 110-80mmHg; Pulso: 80 bpm; FR: 16 rpm; T: 36,2°C.
Pele: Ausência de lesões, pele e mucosas secas.
C/P: Conjuntivas hipocoradas (+/4+), escleras anictéricas, língua despapilada, vasos sublinguais parcialmente cheios. Ausência de linfonodomegalia. Tireoide palpável, com características normais. Jugulares não ingurgitadas.
CPP: MV + bilateralmente e simétricos, sem RA.
ACV: BCRNFSS.
Abdômen: distendido, flácido, com RHA aumentados. Som timpânico a percussão, espaço de Traube livre e hepatimetria de 6 cm em LHCD. Ausência de massas, dor difusa leve a palpação do abdômen. Ausência de dor a descompressão rápida.
MMII: Pernas edemaciadas bilateralmente com cacifo.

EXAMES COMPLEMENTARES:

Hb: 10,7 g/Dl
Ht: 33,3 %
VCM: 76 fl (80-100)
HCM: 26 pg (27-33)
CHCM: 30 g/dL (33-35)
Leucócitos: 4.320 (4.000-11.000)
Plaquetas: 273.000 (120.000-400.000)
VHS: 40mm/1ª hora
PCR: reagente
Albumina: 2,8g/dL (3,5-5,0)
Sorologias para hepatite B, C, HIV, CMV e HSV não reagentes.
Exame parasitológico das fezes: normal.
Alfa 1-antitripsina nas fezes: elevada 
Anticorpos Anti-gliadina: normal
Anticorpos Anti-transglutaminase: elevados
Glicose em jejum, ureia, creatinina, bilirrubinas e transaminases normais.

Qual o diagnóstico sindrômico e o etiológico?

Quais os principais diagnósticos diferenciais?

Qual o próximo passo para confirmação diagnóstica?


RESPOSTA AO CASO CLÍNICO III:

O diagnóstico sindrômico é síndrome consumptiva sem diminuição do apetite. Essa perda de 10kg em um mês, então, direciona a 3 causas: hipertireoidismo, diabetes mellitus tipo 1 ou síndrome disabsortiva.
Sabendo que o paciente apresenta um quadro diarreico crônico alto por certas características como odor rançoso das fezes, cólica difusa sem alívio após evacuação e ausência de sangue, muco ou pus, além de negar puxo e tenesmo. Normalmente, a diarreia alta apresenta menos frequência e é mais volumosa que a diarreia baixa. Portanto, deve-se pensar em alguma causa diarreica alta.
Associado a diarreia, também relatava edema de MMII, distensão abdominal e dor articular. Existem diversas causas de artralgia e diarreia, entre elas estão: doença de Whipple, DII (geralmente artrite) e outras doenças autoimunes, por exemplo, doença celíaca. É importante ressaltar o significado dos “nega”, como uso anterior de ATB (clostridium difficile, causa de diarreia aguda com colite pseudomembranosa, geralmente após uso de amoxicilina), febre (infecção), úlceras orais (Crohn, LES), lesões de pele (dermatite herpetiforme para doença celíaca; eritema nodoso e pioderma gangrenoso para DII, a primeira mais comum em Crohn e a segunda em RCU); polidipsia, poliúria (DM tipo 1); sudorese, agitação, insônia, palpitações (hipertireoidismo) e alterações oculares (DII); viagens e quadro semelhante em conhecidos (infecções).
Partindo disso, no exame físico, encontrou-se uma tireoide de aspecto normal, língua despapilada (anemia carencial), edema de MMII com cacifo e abdômen distendido, além dos sinais de desidratação. Nos exames complementares, glicemia de jejum normal, anemia hipocrômica e microcítica, provas inflamatórias positivas sem leucocitose, alfa 1-antitripsina elevada nas fezes (perda proteica pelo intestino) e anticorpo antitransglutaminase tecidual positiva. Logo, o provável diagnóstico etiológico é doença Celíaca. E o próximo passo é a EDA com biópsia de duodeno, sendo confirmado o diagnóstico, deve ser feita a restrição alimentar ao glúten.
A doença celíaca é uma enteropatia autoimune, induzida pela ingestão de glúten presente no trigo, centeio, cevada e em menor proporção na aveia, estando subjacente uma predisposição genética. A grande maioria dos pacientes expressa anticorpos contra a enzima transglutaminase tecidular. Outrora considerada uma patologia limitada à população pediátrica, o espectro variado de manifestações clínicas da doença é hoje melhor conhecido e, graças aos avanços nas técnicas de diagnóstico, é atualmente possível detectar a doença celíaca em adultos com formas de apresentação atípicas ou oligossintomáticas. As complicações mais graves são o desenvolvimento de neoplasias, nomeadamente linfomas.
O quadro clínico nos adultos é dividido em sintomas gastrointestinais e manifestações extraintestinais.  As fora do intestino são: anemia ferropriva, diminuição da densidade mineral óssea, fadiga crônica, infertilidade, aumento das transaminases, dermatite herpetiforme, artralgias, deficiência de folato/zinco e sintomas neurológicos (predominantemente neuropatia periférica e ataxia). Os sintomas gastrointestinais mais frequentes são a dor abdominal, geralmente de tipo cólica, a distensão abdominal intermitente, dispepsia e alterações dos hábitos intestinais. A diarreia não é um sintoma obrigatório e até 50% dos doentes adultos apresentam obstipação como forma predominante.
A Dermatite herpetiforme (DH) é uma manifestação cutânea caracterizada pela presença de lesões papulovesiculares pruriginosas nos joelhos, cotovelos, ancas e costas que ocorre em 10 a 20% dos doentes celíacos.
A prevalência de DC em diabéticos tipo 1 foi extensamente investigada e situa-se entre os 5-6%. Existem também fortes evidências do aumento da prevalência de doença celíaca em crianças com doença tiroideia, doença hepática autoimune, deficiência seletiva de IgA (prevalência de DC 10 a 20 vezes superior à da população geral) e algumas cromossomopatias (Síndrome de Down, Síndrome de Turner e Síndrome Williams).
Os testes sorológicos mais sensíveis e específicos para a doença celíaca são os anticorpos do tipo Imunoglobulina A: anti-endomísio (IgA anti-EMA mais específico) e anti-transglutaminase tecidular (IgA anti-tTG mais sensível). Por isso, é indicado para rastreamento o IgA anti-tTG. Os anticorpos anti-gliadina são úteis para crianças menores de 2 anos, pois são os primeiros a aparecer. Em adultos possuem níveis de sensibilidade e especificidade menor que o IgA anti-tTg. 
Referências Bibliográficas:

MACHADO, A. S. ET AL. Doença celíaca no adulto: a propósito de um caso clínico. J Port Gastrenterol, v. 13, p. 139-143, 2006.

TEXEIRA, N. F. G. Doença Celíaca Atualizada, 2012.


José Vitor Martins Lago




quarta-feira, 21 de agosto de 2013



Curiosidades:

Dessa vez para as curiosidades vou trazer alguém que ainda está vivo! Sam Parnia.



Parnia é um médico inglês diretor do centro de pesquisa em resuscitação da Universidade de Stony Brook em New York. Ele é vanguardista nessa área. Até onde aprendemos na medicina o cérebro sofre sequelas com 5 minutos e morre com 10 minutos de hipoxia. Parnia acredita que com a otimização de técnicas já existentes pode-se esticar esse tempo para até 3 horas com resultados positivos com 30% dos pacientes. O link é para alguns artigos dele, o restante é só procurar pelo nome dele no Google, tem reportagem de jornal resumida para quem estiver sem tempo de ler os artigos.

http://www.ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/?term=parnia

Pessoalmente eu acredito que apesar de aparecer absurdo os australianos que mudaram o mundo com a descoberta do Helicobacter Pylori levaram décadas para terem seu trabalho, também absurdo, aceito. E o Parnia nem considera ainda a utilização desta tecnologia em teste.

http://hypescience.com/oxigenio-na-veia-permite-que-voce-viva-mesmo-sem-respirar/

Caso Clínico:



Identificação: A.T.B. 87 anos, feminino, caucasiana, natural e residente em Curitiba.

Queixa principal: “dificuldade para falar”

HMA: ILICIDAS:

Início súbito de disartria e hemiplegia esquerda de rosto e corpo há 15 minutos. Relata também tontura tipo vertígem, cefaleia holocraniana pulsante e dor torácica em queimação mal localizada, nega dor nas costas (sinal de possível aneurisma de aorta). Nega fono e fotofobia. nega trauma craniano. Nega perda de consciência. Todos os sintomas iniciaram-se simultaneamente.

Familiar que acompanhou todo o quadro acompanha a consulta para ajudar com informações.

HMP: DOIDAMT:

HAS (hipertensão arterial sistêmica), há 8 anos. Nega cirurgias e transfusões. Usuário de AAS 100mg dia (dose antiadesiva plaquetária para evitar agravos cardiovasculares menores). Enalapril 10mg, admite não fazer uso frequente (ou seja, HAS mal controlada).

HMF:

Mãe falecida de AVE (Acidente vascular encefálico) aos 80 anos. (eventos cardiovasculares familiares prévios são importante fator de risco, porem apenas abaixo dos 65 anos para mulheres e 60 anos para homens).

CHV: MAFATES:

Alimentação desregrada, não aderente a dieta hiposódica. (a ingesta total de sódio não deve passar de 2 gramas para hipertensos, ou seja, a comida deve ser feita totalmente sem sais e temperos salgados e pode ser adicionado posteriormente 1 sachê de sal (1g) por refeição principal. A ingesta habitual sem dieta é de aproximadamente 8 gramas. A sem temperos é de praticamente zero sal.)

PPS: FRETSPI:

Situação familiar, financeira e emocional estáveis.

RS:

Não declara novas queixas.

Exame físico:

Dados vitais: pulso 90, temperatura: 36,8, PA: 220/200, FR: 20. Saturação O2 89%.

Dê uma suspeita diagnóstica.

Como devemos utilizar o ILICIDAS frente a múltiplas queixas?



domingo, 18 de agosto de 2013

Semiologia I: Hematologia

CURIOSIDADE

Por que a talassemia é conhecida como doença do Mediterrâneo?

Talassemia vem de tálassos do grego, que significa "mar".  Logo, quer dizer “anemia do mar". O termo anemia do mediterrâneo é também usado para descrever Talassemia.

Essa desordem hereditária promove a má formação da hemoglobina, sendo a doença genética mais comum do mundo. Causa uma alteração quantitativa, ou seja, há uma produção reduzida ou ausente da cadeia alfa ou beta da hemoglobina. No adulto, 97% da hemoglobina possui 2 cadeias alfa e 2 cadeias beta (hemoglobina A1), 2% possui 2 cadeias alfa e 2 cadeias  delta (hemoglobina A2) e o restante possui 2 cadeias alfa e 2 cadeias gama (hemoglobina F ou fetal). Sendo assim, pode haver a alfatalassemia (diminuição da produção das cadeias alfa) e a betalassemia (diminuição da produção das cadeias beta). Como resultado disso, ocorre uma anemia hipocrômica e microcítica.
É conhecida como doença do Mediterrâneo pela grande prevalência dessa anemia naquela região. Existe uma forte correlação com a epidemiologia da malária, pois é uma região endêmica para essa doença infecciosa. Sabendo que não só a anemia falciforme, mas também a talassemia promove um grau de proteção contra o plasmodium falciparum, o alto número de casos de talassemia no Mediterrâneo é resultado da seleção natural dos indivíduos nessa região. Por isso, questionar sobre a descendência do indivíduo é um ponto importante na anamnese (portugueses, espanhóis, italianos, gregos, egípcios, libaneses), pois pode ajudar a direcionar o diagnóstico.


CASO CLÍNICO II:

ANAMNESE:

ID: GHG, 54 anos, feminino, branca, natural e residente de Curitiba-PR, aposentada, casada.
QP: “Cansaço que não resolve”
HMA: Paciente refere que iniciou quadro de astenia e dispneia aos médios esforços há 1 ano, tratados com sulfato ferroso durante 6 meses. Relata que continua com os mesmos sintomas e com piora da dispneia aos pequenos esforços há 2 semanas associado a palpitações. Afirma também episódio de epistaxe há 4 dias. Outros sintomas associados são diarreia e emagrecimento de 5 kg em 2 meses com anorexia. Nega febre, artrites, infecções, rigidez matinal e parestesias.
HMP: Nega operações e internamentos anteriores. Refere artrite reumatoide, diagnosticada há 2 anos, em uso de metotrexate 10 mg/semana e hidroxicloroquina 400 mg/dia. Nega outras doenças auto-imunes. Nega também alergias e transfusões anteriores.
HMF: Pai faleceu com 60 anos de ICC. Mãe faleceu aos 70 anos de AR. Nega casos de outras doenças auto-imunes na família.
CHV: Ingesta de hortaliças 1 vez a cada 3 semanas, prefere carnes e massas. Nega tabagismo e etilismo.
RS: sp.

EXAME FÍSICO:

GERAL: BEG, LOTE, ictérica (+/4+), hidratada, hipocorada (+++/4+). PA: 120-80 mmHg; pulso: 112 bpm; FR: 28 rpm; T: 36,6°C.
PELE: Palidez intensa de pele e mucosas. Icterícia leve em escleras.
C/P: Olhos escuros com pupilas isocóricas e fotorreagentes. Escleras ictéricas (+/4+), conjuntivas hipocoradas (+++/4+). Língua despapilada e hiperemiada, vasos sublinguais cheios e presença de petéquias em palato. Ausência de linfonodomegalia. Jugulares não ingurgitadas.
CPP: MV + bilateralmente e simétricos sem RA.
ACV: Bulhas rítmicas e taquicárdicas com sopro sistólico (+/4+).
ABDÔMEN: globoso, flácido com RHA presentes. Hepatimetria de 6 cm em LHCD. Espaço de Traube livre. Som timpânico a percussão. Ausência de massas e dor a palpação.
NEUROLÓGICO:
- Estado Mental: LOTE. Glasgow: 15.
- Nervos cranianos: sp.
- Força e tônus muscular: tônus normal e força muscular de 5 bilateralmente nos MMII e MMSS. 
- Reflexos tendíneos: ++/4+ em bíceps, tríceps, braquiorradial, patelar, aquileu bilateralmente. Cutâneo plantar simétrico em flexão.
- Sensibilidade: vibratória e propriocepção preservadas.
- Marcha: sem alterações características
- Coordenação: movimentos rápidos e alternantes das mãos normais, index-nariz sem alteração.
- Equilíbrio: prova de Romberg negativa.
- Sinais Meníngeos: Kernig e Brudzinski ausentes.

EXAMES COMPLEMENTARES:

Hemácias: 2.360.000/L (4-5,5 milhões)
Hb: 8,1 g/dL (12-16)
VCM: 115 fL (80-100)
HCM: 30 pg (27-33)
CHCM: 32 g/dL (33-35)
Reticulócitos: 0,9% (0,8%-4,5%)

Leucócitos: 3.800 (4000-11000)
Eosinófilos: 5%
Linfócitos: 42%
Bastões: 5%
Segmentados: 43%
Monócitos: 5%

Plaquetas: 65.000 (120.000-400.000)

Bilirrubina direta: 0,17 (0,2 a 0,4)
Bilirrubina Indireta: 2,59 (1,0 a 1,2) 
                       
TGO: 30 (até 45 )                                            
TGP: 25 (até 40)

VHS: 18 (até 20)
PCR: negativo

Desidrogenase láctica: 1.842 (até 640)
Coombs Direto: negativo

Perfil do Ferro:
Ferro sérico: 180 (50-150)
Capacidade total de ligação ao ferro (TIBC): 250 (300-360)
IS: 55% (20-50%)
Ferritinina: 150 (12-150)

Qual provável diagnóstico?

Qual a provável causa da anemia?

Por que há uma diminuição de leucócitos e plaquetas também?

Qual o principal diagnóstico diferencial?


RESPOSTA AO CASO CLÍNICO II:

O diagnóstico é anemia megaloblástica (geralmente com VCM caracteristicamente > 110). Por definição é causada por defeitos na síntese de DNA, levando a divisão celular lentificada, mas com amadurecimento normal do citoplasma, por isso as células se tornam grandes com dissociação núcleo/citoplasma. As duas principais causas são deficiência de cobalamina (vitamina B12) e de ácido fólico (vitamina B9). Dentre as causas de deficiência de B12 estão a ingesta inadequada (vegetarianos estritos) má absorção (acloridria por IBP, gastrectomia parcial ou total, anemia perniciosa, ausência congênita de fator intrínseco, ressecção ou bypass ileal, ileíte regional [doença de crohn], outras ileopatias [actínica, doença celíaca], insuficiência pancreática, doença de Imerslund, drogas como colchicina, ácido paraminossalicilico, neomicina, metformina). Já entre as causas de deficiência de folato estão a ingesta inadequada (reserva de 4-5 meses), aumento das necessidades (gravidez, hemólise, malignidade, doenças exfoliativas crônicas da pele, hemodiálise), má absorção (Espru tropical, doença celíaca e drogas como fenitoína e barbituratos) e prejuízo no metabolismo (inibidores da diidrofolato redutase: metotrexato, pirimetamina, pentamidina e trimetropim; álcool).
A provável causa da anemia megaloblástica é deficiência de ácido fólico, consequente à baixa ingesta de hortaliças associado ao uso de metotrexato, inibidor da diidrofolato redutase que expolia o ácido fólico, apesar de infrequente na dose usada pelo paciente. Poderia ter sido feito a profilaxia com ácido folínico. As manifestações clínicas são as da própria síndrome anêmica e mais as específicas como petéquias e predisposição a sangramentos da plaquetopenia, glossite atrófica dolorosa (língua em frambuesa), queilite angular, diarreia e perda ponderal e a icterícia à custa de bilirrubinemia indireta, devido à hemólise, pois as hemácias são defeituosas sem reticulocitose. Já as manifestações neurológicas são exclusivas da deficiência de vit. B12 com sintomas do cordão posterior e feixe piramidal lateral, levando ao desequilíbrio, perda da propriocepção, diminuição da sensibilidade vibratória (precoce), marcha atáxica, prova de Romberg +, síndrome do neurônio motor superior.
As plaquetas e os leucócitos podem estar diminuídos também como no caso clínico, já que essas vitaminas são fundamentais para a síntese do DNA e consequentemente para mitose celular. A epistaxe e as petéquias no palato são decorrentes da plaquetopenia.
É importante pedir dosagem de B12 e de ácido fólico com a suspeita diagnóstica. Não diferenciando as duas, pode-se pedir a dosagem de ácido metilmalônico, que está aumentado na deficiência de B12 e a homocisteína está aumentada nas duas situações. Pode ser feito também o teste de Shilling para o diagnóstico de anemia perniciosa.
Os principais diagnósticos diferenciais para esse caso são a anemia de doença crônica (anemia normo/normo ou anemia micro/hipo) e a anemia aplásica. A primeira em decorrência da AR, contudo percebe-se que a PCR está negativa, refletindo que a doença está sobre controle com o tratamento, e há um aumento no ferro sérico. Já a segunda, também faz pancitopenia e macrocitose, contudo a macrocitose > 110 indica anemia megaloblástica. Outro diagnóstico diferencial incluído na própria anemia megaloblástica é a anemia perniciosa, onde há autoanticorpos contra as células parietais do estômago, que produzem fator intrínseco, responsável pela absorção de B12 no íleo terminal. Todavia, as pessoas acometidas são geralmente do sexo feminino, olhos claros, cabelos brancos precocemente, hx familiar, tipagem sanguínea tipo A com outras doenças auto-imunes associadas como vitiligo, hipo/hipertireoidismo, doença de Addison, etc. 




José Vitor Martins Lago